quarta-feira, 23 de março de 2011

Sem meias palavras – Lau Siqueira

Reproduzo crônica da escritora  paulista Mlailin que tem como personagens os amigos e poetas Lau Siqueira e Amador Ribeiro.

Aproveito para indicar seu blog, o http://mlailin.blogspot.com/





Para os poetas de sábado à noite
Antes de fechar a porta ainda ouviu sua filha dizer que era louca, onde já se viu sair num sábado chuvoso quase 7 horas da noite pra ir ao centro da cidade ouvir poesias. Não soube o que responder, não sabia quem não entendia quem. Não via nenhum empecilho a não ser a dor que estava sentindo na sola do pé. Isso era só um detalhe.  Faria um esforço além do normal para colocar os pés no chão. E outra, do metrô até a casa das rosas eram duas quadras. Havia assumido um compromisso. Havia dito que iria. Ainda ouviu sua filha dizendo: “Não sei onde arranja tanto pique”. Ela também não sabia. Sabia que somente um terremoto a impediria de seguir em sua decisão.
Ia não porque se sentisse na obrigação de ir. Ia porque era preciso conhecer a voz, o sorriso, os sentimentos que moviam os donos daquelas fotos em quadradinhos, homens e mulheres que carregam cheiros de flores e de poesia e na sua casa lhe fazem companhia de longe.
Chegou com a luz apagada e todos nos seus lugares. Quando as apresentações foram feitas pensou: se soubesse que era assim, que as pessoas se inscreviam e depois liam uma poesia, teria preparado uma, uma não, não sabia fazer poesia. Teria procurado nos livros uma já feita por alguém. Mas quem? Quem é o seu poeta? Não sabia. Na escada que dá acesso a biblioteca e aos banheiros, duas pessoas estavam esparramadas e pareciam que dormiam. Descobriu que não era só ela que sentia vontade de dormir quando estava ali na casa, outros também sentiam isso. Subiu os degraus com os olhos e pensou: Lá em cima quem será que lia o livro do desassossego de Fernando Pessoa?
Os poetas foram passando um a um. Ouvia as vozes enquanto pensava nesses seres estranhos vestidos como qualquer um. Sempre pensou que os poetas se vestiam de forma brilhante assim como a poesia que escreviam. Mas não, estavam ali todos de camiseta e talvez cheirando a suor, naftalina ou ainda ao sabão de uma roupa mal lavada. Ficou feliz por saber que estava de acordo, até no cheiro da roupa. Uma coisa não podia assim como eles: não podia sorrir.
Ouviu quando o poeta disse: Somos muitos, somos uma constelação... Mas estar juntos é difícil porque falta o mais importante para isso, as obrigações da vida que nos toma o tempo, os problemas que toda família tem, ou porque na maioria das vezes estamos sem dinheiro, ou doente, ou perdemos alguém na morte, ou alguém nos abandona e levamos um tempo enorme para nos recuperar.
Era noite de lua cheia, não que estivesse vendo, sabia disso porque alguém havia dito sobre ela no facebook. Olhou para a fisionomia de cada um, os olhos, as sobrancelhas, os cabelos, o físico, o sorriso, etc. Ah, se pudesse sorrir escancarado desse jeito! Disposta a classificar esse grupo percebeu com surpresa que eles se transformavam em outros a partir do momento que liam suas poesias. Escreveu na agenda alguma coisa que pensou ser importante. Mas que nada lhe serviram na hora de ganhar um livro. Quando terminou, um dos organizadores lhe deu a mão e agradeceu por estar ali. Pensou em ir cumprimentar Lau e Amador, até deu alguns passos e ensaiou algumas palavras só para descobrir que o silêncio que carrega dentro de si é maior que sua vontade. Desceu a escada e caminhou até o portão, sentiu vontade de virar o rosto e dar uma última olhada para vê-los reunidos na porta de entrada envoltos por uma nuvem de borda prateada. Logo mais iriam se reunir em algum café para beber um aperitivo e comunicarem suas observações. Pensava como seria enquanto seguia pela calçada molhada e vazia e a noite toda sonhou que na cidade há grandes festas e ela fora convidada. E no dia seguinte levantou contentíssima, e é assim que ela viaja.
Mlailin

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