segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Sérgio de Castro Pinto no ônibus

SOBRE O MEDO

         o medo
         se aloja na medula
         como um cubo
         de gelo.

          o medo
         se infiltra no tinteiro
         e o congela.

         o medo
se instala na palavra
e a enregela.

com o medo
aprendi o ofício
de armazenar as palavras
como num frigorífico

com o medo conservo:
dez mil palavras
abaixo de zero.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Canto da Necessidade II – Um Canto Melhor


Por Agamenon Travassos Sarinho


“Poetas, é preciso um canto de protesto e raiva: pisam
Na cabeça do povo e nos rins da pátria.
(…)”

Assim, Fernando Mendes Vianna inicia “Canto da Necessidade”, obra escrita logo após o golpe militar de 1964, verberando todo o sentimento que pungia no peito dos brasileiros, dos brasileiros patriotas. E Fernando o fazia com uma eloquência poética única só possível num eu-lírico do tamanho de uma nação – uma nação ferida. É um poema tenso, mas belo, que chama prá luta, que reclama um preço: o preço da liberdade. Por isto o vate não tolerava complacência:
 “Poeta, o povo encha teu peito. Ergue a pena como uma arma.
(…)
Limpa a lágrima com o dorso do punho contraído
E canta como quem empunha um grito
Para matar os que aviltam a vida.”  Termina assim seu poema, mas instiga, verso por verso, com muita força os poetas:
“Abaixo as girafas da poesia! Que a palavra seja um rugido,
Um punho, uma semente, um pulso”. Girafas da poesia, aqueles que, na sua visão fechavam os olhos para a supressão das liberdades e a opressão sobre o povo, para aqueles que colocavam a pátria de bruços.
“E tu, poeta, não serás cidadão, não serás homem, não serás poeta, não serás nada,
Se não lutares por essa pátria.”
Pois bem, este, meu poema preferido em “Canto Melhor”, de Manoel Sarmento Barata (Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1969), obra em que procura traçar uma perspectiva da poesia então produzida nas terras tupiniquins, claramente tomando partido, catalogando e analisando obras e artistas sob o prisma do compromisso social. Corajosamente vê a questão do valor poético de uma obra de arte, não sob a perspectiva abstrata, formalista, geralmente dominante entre a crítica, mas pelo seu sentido ou significação, considerando o que o “(…)autor expressa enquanto portador de uma visão do mundo, de uma atitude total, que implica necessariamente, ao lado de outros, conteúdos éticos e políticos”. Cita, por exemplo, Ernest Fischer: “A arte não se contenta sòmente em refletir o real, ela toma partido pró ou contra qualquer coisa. O espelho da arte não é inerte e inanimado; não pode ter a objetividade de um instrumento científico porque não se contenta em observar, e sim participa. Sem que haja uma participação apaixonada na realidade que é preciso representar, não há arte.”(O Problema do Real na Arte – Rev. Estudos Sociais, 16 – março de  1963, pág. 417) e George Luckács: “Não há composição sem concepção do mundo”. – Ensaios Sobre Literatura – Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1965 – pág. 79.
 Em certo sentido, Sarmento polemiza com os autores que se despregam deste conteúdo “participante” da poesia. O exemplo é ousado e o alvo canônico: Carlos Drummond de Andrade. Comenta algumas poemas (que refletem diferentes fases de Drummond) mostrando sua trajetória do social(, Elegia 1938, A Bomba) para o desencanto e descompromisso e vale-se de um poema de Moacyr Félix (Recado ao Poeta e seus Problemas) para fazer este contraponto: “(Moacyr) procura estabelecer um diálogo com Drummond de Andrade, em quem reconhece o “irmão maior”. Êle, que desde seu livro de 1953 já formava entre os que reclamam a inserção ativa do poeta na luta pela liberdade, vem lembrar ao autor de Rosa do Povo – agora desencantado e alheio ao sentimento do mundo – que a “enorme realidade” ainda é presente” .
Entre os autores analisados por Manoel Sarmento, Vinícius de Morais (Operário em Construção), Geir Campos (Cantigas de acordar mulher), João Cabral (Cão sem Plumas, Morte e vida Severina), Ferreira Gullar(Por você, por mim), Thiago de Melo (Canção para os fonemas da alegria), Luis Carlos Capinan (Inquisitorial), Affonso Romano de Sant’anna (Poema para Pedro Teixeira – Companheiro Assassinado). São 24 os autores, sendo alguns com várias poesias de intensa carga poética e participante.
É muita coisa bela e de grande carga emotiva, instigando o espírito de rebeldia. Vejamos alguns exemplos: começo com Vinícius de Morais – “Operário em Construção”:
“Era ele quem erguia casas
Onde antes só havia chão
Como um pássaro  sem asas
Ele subia com as casas
que lhe brotavam da mão.
(…)”. Ou esta bela composição de  Moacyr Félix, de título “Canto para as Transformações do Homem”:

“(…)
- Meu pai, o que é a liberdade?
- É o seu rosto, meu filho,
o seu jeito de indagar
o mundo a pedir guarida
no brilho do seu olhar.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto da vida
que a vida quis desvendar
(…)
- É um homem morto na cruz
por ele mesmo plantada,
é a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
É Cuauhtemoc a criar
sobre o braseiro que o mata
uma rosa de ouro e prata
para a altivez mexicana
(…)
É a blusa aberta do povo
bandeira branca atirada
jardim de estrelas de sangue
do céu de maio tombadas
dentro da noite goyesca.
(…)”.  De Affonso Romano de Sant’anna, trás algo muito nosso, “Poema para Pedro Teixeira – Companheiro Assassinado”:

Ontem, senzala,
                hoje cortiço.
Ontem, chibata,
                hoje fuzil.
Ontem, Quilombos,
hoje Sapé.
(…)
Tu és pedra,
Pedro Teixeira
e sobre ti levanto
esta bandeira.

Tu és brasa
Pedro Teixeira
e sobre ti já arde
esta fogueira.

Tu és guerra
Pedro Teixeira
e sobre ti cavamos
a trincheira.”

Vale acrescentar que o Brasil vivia – à época em que se instala o golpe – intensa agitação cultural (claro, também política e social, de sentido mudancista, que tanto incomodaram os golpistas) na música, teatro, cinema, literatura. Esta realidade refletia o período desenvolvimentista pós-Vargas e a derrota do fascismo na segunda grande guerra, que resultou num grande prestígio das ideias socialistas em todo o mundo. Neste momento, teve destaque o papel da União Nacional dos Estudantes (UNE) – especialmente na gestão de Aldo Arantes – com o CPC, Centro Popular de Cultura, que fico devendo para um próximo artigo.


terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Vinícius de Moraes no ônibus de Natal


Poema de Natal

Para isso fomos feitos: 
Para lembrar e ser lembrados, 
Para chorar e fazer chorar, 
Para enterrar os nossos mortos - 
Por isso temos braços longos para os adeuses, 
Mãos para colher o que foi dado, 
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida; 
Uma tarde sempre a esquecer, 
Uma estrêla a se apagar na treva,
Um caminho entre dois túmulos - 
Por isso precisamos velar, 
Falar baixo, pisar leve, ver 
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer: 
Uma canção sôbre um berço, 
Um verso, talvez, de amor, 
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça 
E que por ela os nossos corações 
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos: 
Para a esperança no milagre, 
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte - 
De repente, nunca mais esperaremos... 
Hoje a noite é jovem; da morte apenas 
Nascemos, imensamente.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Lixo da propaganda eleitoral poderia produzir 20 milhões de livros


Todo o lixo produzido pelo material impresso da propaganda eleitoral para o pleito deste ano poderia ser utilizado para a publicação de 20 milhões de livros escolares com 50 páginas. O cálculo foi divulgado pelo juiz auxiliar da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Paulo Tamburini, na sexta-feira em congresso de comemoração dos 10 anos da Escola Judiciária Eleitoral.
O levantamento foi produzido com base nas prestações de contas dos candidatos, que pode ser consultada no site do TSE. Foram gastos pelos aspirantes a cargos na eleição deste ano um total de R$ 2 bilhões em propaganda, dos quais R$ 800 milhões foram destinados a material impresso, como panfletos e divulgação em jornais.
Segundo Tamburini, com R$ 250 podem ser produzidos 20 mil santinhos. O valor declarado pelos candidatos é suficiente para a impressão de 57 bilhões de panfletos deste tipo. Para a produção deste material foi necessária a derrubada de 603 mil árvores e o consumo de três bilhões de litros de água.
Para o juiz Paulo Tamburini, apesar dos constantes avanços do processo eleitoral, pouco ou nada tem sido feito quanto ao impacto ambiental da propaganda. O comandante do Grupamento de Busca e Salvamento do Corpo de Bombeiros Militar do Rio, tenente-coronel José Albucacys de Castro, fez o estudo do impacto ambiental da propaganda eleitoral com Paulo Tamburini e ressaltou que o lixo da propaganda entope as galerias de águas pluviais, o que pode causar alagamentos e enchentes. Quando jogado nas encostas dos morros, leva ao deslizamento de terra. 

sábado, 22 de dezembro de 2012

Quem vai levar o livro?

Olá passageiros e passageiras,

é com grande alegria que atingimos a marca dos 60 mil acessos. Para um blog que trata apenas de questões relacionadas à literatura é uma bela marca. Para celebrar este número tão especial, estamos sorteando o livro O opositor ,  de Luis Fernando Veríssimo. Para participar, basta fazer um comentário sobre a melhor viagem já feita aqui no ônibus, ou seja, qual foi o melhor post até agora. Não esqueça de deixar o e-mail para contato. 

Abraço e boa viagem, sempre!

em tempo: o sorteio será realizado no dia 30 de dezembro

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Monteiro Lobato e o nacionalismo libertário


                                                                            Por  Chico Viana

                          (Publicado na seção "Obra Aberta" da revista Língua Portuguesa n. 86)
         
     Para Monteiro Lobato, que teve obras recentemente contestadas, a literatura era uma afirmação da brasilidade


         José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1848) é uma das figuras mais curiosas das nossas letras. Num país em que os escritores são na maioria burocratas e não sobrevivem da literatura, ele se destacou por ser o oposto. Participou ativamente de campanhas em prol da exploração do petróleo por companhias nacionais, chegando a criar empresas com esse objetivo; fundou editoras para que o nosso mercado editorial não dependensse do mercado estrangeiro; procurou modernizar a lavoura na fazenda que herdara do seu avô, o visconde de Tremembé.
          Estreou em livro com “Urupês”, coletênea de contos na qual enfoca tipos brasileiros sendo o mais famoso deles o caboclo Jeca Tatu. Jeca tornou-se uma espécie de símbolo do interiorano descrente e acomodado; sempre vota no governo e tem na pesca e na mandioca (de fácil plantio e colheita) o seu sustento. Um dos bordões preferidos dele é “Não paga a pena”, ou seja, não vale o esforço, com o que justifica a passividade.    
          Lobato escreveu vários livros infantis, gênero em que foi pioneiro entre nós. Achava que, para um país ter uma grande literatura, era preciso estimular as crianças a ler (considerava, por sinal, “a criatura humana muito mais interessante no período infantil do que depois de idiotamente tornar-se adulta"). Em grande parte graças a ele, muitos dos nossos leitores se formaram lendo as aventuras de Emília, Narizinho, dona Benta e outros cativantes personagens que habitam o Sitio do Pica-Pau Amarelo.
         Monteiro Lobato é um espírito polêmico. Seu nacionalismo o fez rejeitar o Modernismo de 1922; a manifestação mais famosa desse repúdio foi o artigo “Paranoia ou mistificação?”, em que faz uma critica contundente à pintora Anita Malfatti. Ainda hoje é objeto de controvérsias, conforme demonstram as recentes tentativas de censurar dois de seus livros (“Negrinha” e “Caçadas de Pedrinho”) sob a acusação de racismo.


      Chico Viana, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, é professor de português e redação em João Pessoa.     www.chicoviana.com


                                                 Negrinha

         Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.
           Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. (...) Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. (...)
          A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo (...). O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
        — Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
       Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. (...)
         Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
        Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos.    Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.
          Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? (...)
           Chegaram as malas e logo:
           — Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.
          Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos. (...) Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia... (...)
         Negrinha olhou para os lados, ressabiada, com o coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. (...).
         Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!
         Assim foi — e essa consciência a matou.

                                               Comentários
  
         A caracterização inicial da personagem destaca-lhe a discrição e a obscuridade. Nascida na senzala, Negrinha traz nos olhos apreensivos as marcas de uma escravidão que de certo modo persiste no ambiente onde vive, sob o jugo da patroa.

          A menção à excelência de Dona Inácia antecipa a ironia presente no parágrafo. O autor pinta-a com uma postura senhorial que evoca o patriciado do antigo regime, insatisfeito com os privilégios perdidos. Expressões como “trono”, “dona do mundo” e “dando audiências” confirmam a nostalgia do antigo mando, que é alimentada pela adulação das autoridades religiosas.

       A escravidão estimula o sadismo, transforma a agressão em prazer e mesmo em necessidade. Com a Abolição, tirou-se do senhor a chibata mas não o ímpeto cruel, que  agora se exerce de forma gratuita, automática. As miúdas maldades de Dona Inácia fazem lembrar os castigos de outros tempos, bem mais dolorosos; o efeito de ambos os tipos de suplício é o mesmo: coisificar suas vitimas, destruir-lhes a humanidade.     

    O ninho de plumas contrasta com a esteira e os trapos imundos sobre os quais vivera Negrinha. A antítese ganha relevo porque se revela pela ótica da menina. Daí a comparação das sobrinhas com anjos e, sobretudo, com cachorrinhos novos imagem da irreverência infantil. Negrinha estranha a condescendência da patroa com tais manifestações de liberdade, que sempre lhe foram negadas.

     O emprego do discurso indireto livre enfatiza a empatia do narrador com a personagem. Por meio dos sinais próprios desse tipo de discurso (reticências, pontos de exclamação e de interrogação), ele traduz a surpresa e o encantamento que a visão da boneca provoca na menina.  


    A boneca desperta em Negrinha sentimentos que ela não conhecia. Repercute em camadas profundas do seu ser, tocando-lhe o instinto materno e revelando a sua humanidade. Essa consciência mostra-lhe, ao mesmo tempo, a condição de coisa a que fora relegada e contra a qual não pode lutar. O definhamento que se segue a essa descoberta culmina com a sua morte.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Grandes livrarias estão ainda maiores e vendem menos livros

A Associação Nacional das Livrarias, a ANL, publicou o Diagnóstico do Setor Livreiro de 2012, apresentando dados de 716 lojas, que representam 474 razões sociais diferentes. Os dados desta edição foram coletados e analisados pela alemã GfK, que chegou recentemente ao Brasil. Nas edições anteriores, de 2006 e 2009, os dados vieram de outras fontes, mas vale a comparação da evolução do setor livreiro do país.
A maior tendência apontada pelo relatório é o aumento em tamanho das grandes redes de livrarias e a diminuição da presença de livrarias de médio porte: a porcentagem de redes que possuem mais de 100 lojas passou de 6% a 15% entre 2009 e 2012, e as que possuem de 2 a cem lojas caiu de 31% a 22% no mesmo período. Segundo o Diagnóstico, “a importância das livrarias cujo faturamento é de até 350 mil se mantém em 40%, enquanto as que faturam de 7 a 10 milhões sobe de 3% para 17%”. A pesquisa destaca ainda a importância das livrarias independentes - que possuem apenas uma loja - cuja porcentagem se manteve em 62% em relação à pesquisa anterior.
A concentração na região Sudeste é outra característica do setor: 60% das lojas estão localizadas ali, enquanto o Sul possui 16% do total de livrarias, e o Nordeste, 15%. Apenas 2% das livrarias do país estão localizadas na região Norte, a maior região geográfica.
Os livros representam uma parcela cada vez menor da receita das livrarias: a porcentagem de livrarias cujo faturamento vinha mais da metade da venda de livros caiu de 81% para 48%. Além disso, o estudo mostra que até 20% dos livreiros venderam até mil exemplares de livros em 2011. Os itens CDs e DVDs e Material de papelaria ganham destaque e, dentre os livros, as categorias Religiosos (76% das livrarias comercializam o gênero, esse número era 46% em 2009), Literatura Infantil, Juvenil e Auto Ajuda/Esotéricos são comercializados em um maior número de livrarias.
O espaço dedicado exclusivamente ao livro também diminuiu e as livrarias investiram em espaço para eventos – passou de 16% a 31% a porcentagem de livrarias que possui espaço para eventos - e cybercafés – foi de 5% a 23%. O comércio de conteúdo digital continua tímido, apenas 27% das livrarias vendem conteúdo digital, ou seja, e-books, áudio-books, músicas e filmes para baixar.

fonte: Iona Teixeira Stevens - PublishNews -

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A lista de aprovados - Alterações nas obras literárias para USP e Unicamp privilegiam cânone


  

Alterações nas obras literárias para USP e Unicamp privilegiam cânone e exigem direcionamento do professor para criar diálogo entre leitor e seu tempo

por Clarice Cardoso 
Pequena, esbelta, ligeira e buliçosa, Til corre pelo campo enquanto enlaça desencontros amorosos. A heroína, até então praticamente ausente das aulas de Literatura no Ensino Médio, ganhará o espaço já ocupado por Iracema e Aurélia Camargo nas listas de leitura para os vestibulares da USP e da Unicamp. Til, obra de José de Alencar que leva o nome de sua protagonista, vai substituir Senhora, do mesmo autor, e ganhará a companhia de Viagens na Minha Terra, de Almeida Garret, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, eSentimento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade. Deixam de figurar entre as obras obrigatórias Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, Dom Casmurro, de Machado, e Antologia Poética, de Vinicius de Moraes.
São mudanças que não implicam perdas estéticas ou culturais, avalia Fernando Marcílio, professor de Literatura do Sistema Anglo de Ensino. “Memórias Póstumas e Dom Casmurrosão obras do mesmo autor, de mesma densidade e importância cultural. No caso de Garret, que de certa forma substitui Vicente, o aluno pode ter um certo ganho por se tratar de obra de período distinto, mais atual, o que pode ser de mais fácil compreensão para o adolescente”, avalia.
No campo da poesia, Drummond pode ser visto por alguns especialistas como “mais denso” que Vinicius. “O texto, de 1940, é muito ligado aos fatos da época, à ditadura e à temática da Guerra. Com essas coordenadas, o aluno pode se sentir mais à vontade. De toda forma, sai um grande poeta e entra outro.”
A surpresa, porém, fica para a indicação de Til, obra menos consagrada de Alencar ambientada numa fazenda. “Um caso curioso”, afirma Marcílio. “Saiu Iracema, texto extremamente conhecido, e entrou um pouco badalado, o que quebra expectativas de forma positiva. É salutar a entrada de textos menos populares até pela ampliação dos debates em torno do cânone. Iracema tinha uma imagem romântica, heróica, e aqui temos um perfil feminino em termos bem românticos.”
A entrada de um título inusitado também é vista com bons olhos por Maria de Fátima Cruvinel, professora de Língua Portuguesa e Literatura do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística  da Universidade Federal de Goiás. “Til, realmente, não é uma obra muito acessada, mas penso que a ideia da seleção é justamente ampliar um pouco a visão do cânone. Ora, o que faz uma obra é o fato de ela ter sido mais lida? Não, o valor literário não se restringe a isso e é preciso perder o preconceito contra obras menos conhecidas, mas tão importantes quanto outras.”
Para Marcílio, não houve perda em relação às indicações das edições anteriores e, mais que isso, ainda há grandes possibilidades de interdisciplinaridade. “É possível notar parâmetros que podem ter norteado as escolhas e que abrem para diálogos com a História, a Geografia, com questões filosóficas e sociais e até com as Artes Plásticas.”
“A escola é hoje lugar de defesa ou sustentáculo de propagação de uma cultura mais canônica. Se o aluno não ler Machado e Alencar na aula, não os lerá em lugar algum. São autores que a mídia e o cotidiano não apresentarão a ele. Entendo a decisão de privilegiá-los porque o contato com essa produção é importantíssimo e pode auxiliar no entendimento do desenrolar da História em termos estéticos e linguísticos. Contudo, há uma nova safra de autores que poderia estar presente nessa lista.”
Até por isso, é um desafio para o professor fazer com que o aluno tenha contato com outros textos durante o Ensino Médio, não se atendo somente às indicações das instituições. “Uma crítica que pode ser feita é à falta de abrangência e amplitude. Se estamos preocupados com a formação do leitor, por que incluir apenas romantismo, realismo e modernismo, e não barroco, classicismo ou textos contemporâneos? Uma lista mais variada mostraria melhor a riqueza de nossa produção e, ao mesmo tempo, produziria efeitos mais positivos para a formação do leitor.”
Um dos motivos para isso é que a Universidade de São Paulo, explica Mauricio Kleinke, coordenador-executivo da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp, possui um repertório de obras predefinidas a ser utilizadas na definição da lista que constará da seleção de ambas as instituições. “Isso faz com que tenhamos certa dificuldade para a inserção de novos autores”, justifica. “Começamos discussões para ampliar o repertório e torná-lo menos restritivo, mas ainda assim creio que, ao priorizarmos autores já consagrados, clássicos, propiciamos um trabalho diferenciado sobre esses textos. Tanto que, na minha visão, a prova de literatura é das mais exigentes do nosso vestibular, pois requer leitura aprofundada, não trivial.”
 Trampolim para a universidade
Ao privilegiar autores canônicos em detrimento de obras contemporâneas, contudo, as listas podem comprometer, de certo modo, a formação do hábito de leitura dos vestibulandos, opina Tania Rösing, professora da Universidade de Passo Fundo, criadora e coordenadora das Jornadas Literárias de Passo Fundo. “Esses jovens, até pela idade em que ingressam na universidade, precisariam ter a oportunidade de ler textos dos séculos XX e XXI. É compreensível que a seleção privilegie romances considerados modelares, porém, se o aluno passa a ter somente esses parâmetros literários, distancia-se de uma leitura que é a do seu tempo, a do tempo atual, o que traz um afastamento, sem dúvida.”
Cabe ao professor, desse modo, encontrar o delicado equilíbrio entre romances tidos como fundadores e a produção atual. “É necessário que o jovem seja capaz de ler textos produzidos em outras épocas e seja capaz de compreender seus sentidos e a repercussão na própria literatura contemporânea, que bebe nas fontes da tradição”, pondera Cruvinel, docente em uma das instituições federais que têm entre os critérios de suas indicações a escolha de autores contemporâneos. “Há universidades que têm a proposta de incluir escritores vivos. É interessante, por outro lado, estabelecer a relação entre o que é produzido hoje e textos do cânone. Por isso, também, promovemos seminários para os vestibulandos com a presença de autores, o que acaba sendo uma forma de ampliar a leitura dos jovens para além da habilidade de responder perguntas numa prova.”
As listas ganham, assim, um poder mobilizador e provocador. “De fato, o vestibular é uma imposição, mas defendo que, por meio dela, se possa chegar a escolhas particulares. É latente, contudo, a necessidade de políticas públicas voltadas para a ampliação de acervos literários nas escolas e programas que barateiem e, consequentemente, ampliem o acesso da criança e do jovem ao livro.”
A leitura de fruição, contudo, não acontece de forma obrigatória. Mais do que isso, por ter como foco um processo de seleção, a leitura direcionada apenas às obras selecionadas nesse período da vida deixa de priorizar o desenvolvimento de um comportamento de leitura e, consequentemente, a preparação para o desenvolvimento da cidadania crítica. “Na medida em que esses jovens fazem leitura para a memorização, não vão ampliar e concretizar o imaginário e, com isso, realmente não se desenvolverá um comportamento de leitura perene”, opina Tania Rösing.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Corredor da leitura em Sapé


Dia 20 de dezembro, às 17:30, no Centro Social Urbano de Sapé-PB, estaremos retomando o projeto CORREDOR DA LEITURA (que foi banido dos corredores da Prefeitura Municipal de João Pessoa). O projeto CORREDOR DA LEITURA é muito simples. A ideia é trabalhar com custo zero. A estrutura do projeto é uma estante, doada e livros doados. Apenas isso. Trabalhamos com doação, empréstimo, troca de livros DE 
LITERATURA BRASILEIRA E UNIVERSAL. Lixo, desculpem, vai para reciclagem. Qualidade é um direito. Vemos a leitura como um fator de inclusão social, cultural, um fator de desenvolvimento...

Sapé é a terra natal do poeta Augusto dos Anjos e vamos brindar a chegada do CORREDOR DA LEITURA na cidade, com um sarau em homenagem ao grande poeta. Que a ousadia, a inteligência e a sensibilidade nunca se rendam à ignorância, à ganância, às politicagens! Por uma comunidade leitora, ousada, crítica, revolucionária... Adelante, companheira Marcella Arbia

Compartilhem esta ideia. Os autores de todo o país, ou mesmo de fora, que desejem seus livros.

Lau Siqueira

sábado, 15 de dezembro de 2012

quintal e jardim

Por betomenezes

Naquela rua de casas, havia uma casa, igual a todas as outras casas. Nela havia um portão, não tinha muro alto, lá não ladrava um cão. Aquela casa estava lá fazia tempo, não se sabia quando ou quem arquitetou sua edificação. Aquela casa estava lá fazia tempo, não se sabia quando ou quem, quanto tempo morou ali. Nela havia muitos cômodos. Janela não tinha grade. Lá não havia medo do ladrão
Como em toda casa que se preze, havia uma varanda e um alpendre, ela pro jardim, ele pro quintal. E é destes dois que vamos falar. Não da casa em si. A casa existiu, sim, e sua existência definiu a existência deles: do jardim e do quintal.
O jardim e o quintal tinham tamanho igual, feitos com mesmo zelo, pelos mesmos pedreiros. Esses senhores brutos não haviam plantado nada: nenhuma árvore, nem pé de fruta, nem pé de flor. O vendedor entregara a casa assim: friamente linda, sem vida. A vida que veio morar, essa sim!, trouxe a semente. E em apenas meses, foi o que precisou pra que o broto vingasse na terra preta.
E o vegetal se espalhou. No jardim, deu margarida. No quintal, deu tomateira. No inverno ou no verão, tinha sempre alguém deixando tudo verde: menina usava regador; pai, a água da mangueira; são pedro só ligava a torneira. Também se empestaram os bichos: aranha, escorpião, besouro, joaninha. Viviam cada um em seu lugar. A ninguém mal faziam.
O jardim tinha cor diversa, quando a rosa, a margarida e a petúnia davam ar de suas pétalas. E, quase sempre quando dava, a vizinhança inteira esticava o pescoço pra sentir o bom odor que vinha dali.
Mesmo morador do mesmo endereço, o quintal, por sua vez, desde o começo, sempre teve a sobriedade como sua única nobreza. Sempre teve a sombriedade como sua única ardileza.
E naturalmente, como é de costume quando se trata de tudo relativo à santa natureza, os dois irmãos, o jardim e o quintal, desde o berço separados pela casa tomaram seus rumos pra lados trocados.
O jardim, estrela, nunca se perdeu do olhar cuidadoso de quem tratava, de quem o podava, de quem fazia questão de sempre mudar de jarro, de colocar seixos coloridos ao redor de cada florecimento. Olhares cuidadosos que o deixavam assim como uma menina moça quase antes da hora de debutar.
Pra lá todos iam. De manhã, de tarde e de noite. Um bem bom estar lá fazia.
O quintal, esquecido quase sempre, virou chão enervurado das raízes das árvores com troncos empanturrados e galhos que se emaranhavam entre si. Nele jogavam da pia bacias de água suja. Nele, jogavam coisinhas não mais úteis: cadeiras velhas, guarda-chuvas velhos, brinquedos velhos; no novo cemitério das coisas velhas e esquecidas.
Prali já ninguém ia. Quando alguém ia, via o que via e não arriscava ir mais além.
O jardim era o orgulho pra mostrar às visitas. O quintal, os residentes dali tentavam esconder. O jardim se fazia presente em todas as fotografias. O quintal, deusulivre, vige maria, se isso acontecia.
E por anos, essa era a lei: cada um com sua sina, cada qual em seu lugar. Até que quem morava na casa se foi. E não chegaram outros pra continuar a função da casa de fazer o quintal e o jardim, orgulho e vergonha, pois não havia ninguém ali pra julgar.
E, sem ninguém ali, não demorou muito pra que um ramo da rosa atrevido esticasse a cabeça pra dentro da casa. E não demorou muito pra que a raiz do abacateiro se adentrasse na cozinha. E não demorou muito pra que uma erva brotasse na borda da janela. E não demorou muito pra que o lado de lá se encontrasse com o de cá.
Sem lei, sem polícia e sem juiz. Logo um pé de flor nasceu entre os raios do pneu da bicicleta do quintal.
Sem lei, sem polícia e sem juiz. Logo um pé de pau nasceu com ajuda dos raios dos sol que antes só abrilhantavam as camélias.
A casa virou estrada aberta, um caminho de pedra rachada, por onde os irmãos vez por outra se visitavam. E até hoje se visitam, aos sábados, feriados ou quando dá na telha.
Hoje bichos correm soltos. O fungo e a flor bebem na mesma mesa. E, mesmo que não haja quem veja, o jardim e o quintal, hoje sim, formam um belo casal.
A casa, naquela rua de casas, há uma casa, uma casa que não é igual a todas as outras casas.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Roseana Murray no ônibus


Falando de livros

O livro é a casa
onde se descansa
do mundo

O livro é a casa
do tempo
é a casa de tudo

Mar e rio
no mesmo fio
água doce e salgada

O livro é onde
a gente se esconde
em gruta encantada.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O milagre




Não queria ser pai. Nunca quis. Achava o mundo feio demais para colocar crianças nele. Achava que nunca teria tempo para cuidar de uma criança. Ser pai, como meu pai foi pra mim. Fazer dever de casa, levar à escola, incentivar a ler, enfim, coisas que pais fazem com seus filhos ou filhas. Sempre gostei de crianças, mas nunca, em toda minha vida, desejei ter um filho. Sempre preferi curtir os filhos dos outros. Ter o bônus, sem o ônus. Sabem?  Mais ou menos como os avós. Ser avô é melhor do que ser pai. Sempre ouço essa frase. Um dia, em um dia comum, como qualquer outro, Minha esposa disparou por telefone:
- Você vai ser pai.
Não sabia se chorava ou ria. Um turbilhão de sentimentos me invadiu. É complicado explicar essas coisas. Aliás, certas coisas não se explicam. Quando cheguei em casa, olhei para sua barriga, aparentemente igual.Entretanto, beijei-a como nunca tinha beijado nada na vida. Meus lábios tocaram o infinito. Tocaram o amor em seu mais alto grau, o amor em sua plenitude. Viajei até minha infância através de meus lábios. Lembrei dos tempos em que a imaginação não dava a mínima para a razão. Um tempo de sonho e festa. A partir daquele momento, passei a acreditar em milagres. Mudei de ideia, pois tocava, com meus lábios, um milagre. Ainda não sei se Beatriz é meu milagre. Meu e de Michele, aliás. Talvez eu seja o milagre dela. Há coisas que não se explicam. Milagres é um exemplo interessante. Só sei, que hoje, ela brinca com meus sonhos, com meu presente, com meu passado, com meu futuro. Ela me conta histórias, me faz dormir como se eu fosse a criança e ela o adulto. Sempre confundo os papeis. Viajamos no tempo, sem nos dar conta de quantos anos avançamos ou regredimos. Sei que essas viagens não são impunes. Elas nos deixam marcas. Eu, fico mais criança. Beatriz, mais adulta. Fico pensando se isso é bom. Não sei, realmente, não sei. Há coisas que são belas porque não têm explicação.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Preso que ler livros clássicos terá pena reduzida em SC


CAROLINA DE ANDRADECOLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A leitura do clássico "Crime e Castigo", de Fiódor Dostoiévski, poderá reduzir a pena de presos de Joaçaba (oeste de Santa Catarina), segundo decisão da Vara Criminal da cidade. A iniciativa, parte do projeto Reeducação do Imaginário, começou neste mês.
Os presos da comarca terão 30 dias para ler a obra. Depois serão avaliados pelo juiz titular da vara, Márcio Umberto Bragaglia, e seus assessores.
Caso considerem que a compreensão do preso foi satisfatória, eles permitirão a redução da pena em quatro dias, por livro lido.
Devem ser distribuídas também obras de autores como William Shakespeare e Camilo Castelo Branco.
Até agora, 23 detentos do presídio de Joaçaba aderiram ao programa, que é voluntário.
No primeiro módulo, cada participante recebeu uma edição de "Crime e Castigo" e um dicionário de bolso.
Os livros foram comprados com recursos de prestação pecuniária (valores pagos como forma de punição por pessoas que cometeram delitos de menor gravidade).
A Lei de Execuções Penais permite que o preso em regime fechado abata parte da pena através de trabalho ou estudo.
O Departamento Penitenciário Nacional, vinculado ao Ministério da Justiça, instituiu projeto semelhante em julho para quem cumpre pena nos presídios federais.
Para conseguir a redução, os presos precisam entregar uma resenha, que deverá ser aprovada por uma comissão da unidade prisional.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

POESIA: CAMINHOS A PERCORRER



Por Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB
            

           Que é poesia?
            Uma ilha cercada
            de palavras por todos os lados.
            (Cassiano Ricardo)
  
Marcos Bagno, escritor, tradutor e professor de Linguística da UNB,  publicou na revista “Carta Fundamental” ( agosto de 2012) um artigo bem interessante sobre poesia. Com o instigante título “Não matem a poesia!”, o professor condena o uso do texto poético como pretexto  para gramatiquices. Pesquisando em livros didáticos de português, ele descobriu que muitos autores utilizam a poesia para ensinar gramática, o que considera um absurdo. Se é grave a utilização do texto literário para estudo da gramática, mais grave ainda se torna quando o texto é poético.
Alguém já afirmou que a poesia é muito mais para ser sentida do que compreendida, como entender o uso da poesia para fins didáticos? “Escrever poesia é cinzelar as palavras”, diz Bagno.
Na pesquisa que fez em livros didáticos, o escritor encontrou um poema de Sylvia Orthof – “Ave alegria”, que foi utilizado para estudo de classes gramaticais – interjeição, substantivos, etc. Uma verdadeira aberração. Nesse poema, Sylvia Orthof brinca, de modo descontraído, com a oração – “Ave Maria”.  Um excerto do poema dá para sentir que jamais poderia se depreender gramatiquice de tal texto:
Ave alegria,
cheia de graça,
o amor é contigo,
bendita é a risada
e a gargalhada!
           
            Mas não é só Marcos Bagno que se preocupa com o uso gramatical  da poesia em sala de aula. Ana Maria Machado, no texto “Poesia: semente da literatura”, inserido no livro “Uma rede de casas encantadas” (Moderna; 2012), apresenta vários exemplos de bons poemas que podem ser lidos e debatidos em sala de aula sem nenhuma ligação com a gramática.  Ela lembra que o poema “Canção do Tamoio”, de Gonçalves Dias, cria a ilusão de tambores batendo na mata. São os detalhes literários que devem ser lembrados pelos professores.  Examinemos este fragmento:
            Não chores, meu filho;
            Não chores, que a vida
            É luta renhida:
            Viver é lutar.
            A escritora chama a atenção para a doçura e musicalidade da língua portuguesa. Nossa língua conta com uma variedade muito grande de vogais   (abertas, fechadas, orais, nasais), por isso a nossa poesia é muito musical. Aliado a tudo isso, os sons consonantais do português não são duros, não arranham a nossa garganta.
            A escritora não cita poemas de Cecília Meireles, mas quando se fala em musicalidade surge logo o nome de Cecília, talvez a mais musical de nossas poetisas. Cecília era tão apaixonada pela música que alguns títulos de seus livros nos transportam para o reino de Apolo – “Baladas para El-rei”, “Cânticos”. “Vaga Música”, “Doze Noturnos da Holanda”, sem contar com os inúmeros títulos de poemas que remetem à música.
            O escritor Rubem Alves aconselha que se faça a leitura de alguns poemas de Cecília ouvindo música clássica e ousamos dar esta sugestão: Vamos ler os poemas “Elegia 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7,8 – dedicados à memória de Jacinta Garcia Benevides, avó da poetisa, ao som de “Meditação de Thais”, de Jules Massenet. Os dois primeiros versos da Elegia 1 são denotadores do clima de nostalgia que perpassa por todo o poema. Diante da imagem da avó morta, Cecília escreveu estes bonitos versos:
 
            Minha primeira lágrima caiu dentro de teus olhos.
            Tive medo de a enxugar para não saberes que havia caído.            [...].
  
            Marcos Bagno considera que escrever poesia é cinzelar as palavras, Ana Maria Machado afirma que a língua portuguesa é muito musical. Munidos de cinzel e de música construiremos belos poemas e tornaremos outros mais belos. Essa é a missão do professor, tornar as palavras mais bonitas, os poemas mais palpáveis, mais próximos do leitor. Muitos são os caminhos que nos levam à poesia, é preciso saber percorrê-los.