domingo, 13 de março de 2011

Poema de José Costa Leite

A Briga de Lampião Com a Moça que Virou Cachorra

Agora, caros leitores
Vamos traçar poesia
Sobre Lampião que era
Famoso na pontaria
Encontrou no sítio Gangorra
A moça que virou cachorra
Lá nos sertões da Bahia
A moça que virou cachorra
Tinha sido castigada
Por ter respondido mal
A sua mãe adorada
E por fazer profanação
Do padre Cícero Romão
E da Virgem Imaculada
Saiu correndo no mundo
Atrás de quenga e chifrudo
Gostava de mulher galheira
Sapatão e cabeludo
Saltava até num pé só
Onde tivesse um forró
Ela remexia tudo
Uma noite ela correu
Atrás de Zefa Ventura
Por ter a cintura fina
E a bunda de tanajura
A velha saiu apressada
Numa carreira danada
Que perdeu a dentadura
Um velho vendia ovos
A todo amigo e vizinho
Fazia entrega nos pontos
No povoado vizinho
Por várias regiões andou
E um certo dia encontrou
A cachorra no caminho
Seu Irineu vendo ela
O corpo todo tremeu
E a cachorra gritou:
- Quem vai capa-lo sou eu
O velho desembestou
E até os ovos quebrou
Nessa carreira que deu
O velho esporou o burro
Que saiu quase voando
E a cachorra na rabada
Do jumento, abocanhando
O velho se maldizendo
Subindo serra e descendo
E os ovos balançando
A cachorra tem feito medo
A sujeito que é valente
Forte e metido a brigão
E que tem o sangue quente
O que não acreditar
Só é desejar topar
A cachorra frente a frente
Armando vinha dum samba
Com Gení, a namorada
Perto de casa avistaram
A tal cachorra encantada
E ela botou-o abaixo
Dizendo: - Você é macho
E foi dando uma dentada
No ruge-ruge, Gení
Correu e foi se trepando
Em um pé de cajueiro
E então gritou: - Corre, Armando
Ouviu ele responder:
- Mas eu não posso correr
Que ela está me capando!
A cachorra tem feito estragos
E bagunça no sertão
Tem matado muita gente
E tem feito “capação”
Morde gente e vai embora
Mas vamos falar agora
Da cachorra e Lampião
Lampião vinha uma noite
Da casa da namorada
Tinha dado muitos beijos
Vinha de “alma lavada”
Dos beijinhos que ganhou
No sítio Gangorra encontrou
A tal cachorra encantada
A cachorra vendo ele
De um salto caiu lá fora
Lampião botou-lhe o rifle
Para atirar sem demora
Ela disse: - Pode atirar!
Mas é bom se preparar
Que eu vou capa-lo agora
Lampião disse: - Quem foi
Que já viu cachorra falar?
Ficou todo arrepiado
Com vontade de atirar
Mas a bicha era valente
E mostrava cada dente
Do cabra desanimar
A cachorra meteu-lhe as mãos
Que ele caiu pra trás
O rifle saltou lá fora
Por dentro dos matagais
Lampião vendo o perigo
Pensou e disse consigo:
- Esta bicha é Satanás!
Puxou o punhal e partiu
Para a cachorra encantada
E foi crava-la na goela
Ela deu-lhe uma patada
Que a cara dele arranhou
Então Lampião pensou:
- Esta bicha foi mandada!
A cachorra partiu a eles
Com saltos descomunais
Lampião com o punhal
Fazia manobras tais
Mas a bicha era valente
Caçava ela na frente
Ela já estava atrás
Lampião de sangue quente
Avançou mesmo sem dó
Com o punhal aguçado
Pra sangra-la no gogó
Ela deu-lhe um empurrão
E inda mordeu Lampião
Bem perto do “fiofó”
Lampião gritou com medo:
- Valhei-me Senhor São Bento
E venha me defender
Deste animal peçonhento
E disse: - Bicha, não corra
Avançou para a cachorra
Mas só encontrava o vento
A grande luta tremia
Todo o sítio da Gangorra
Então Lampião gritava:
- Não corra, bicha não corra
Botava o punhal sem medo
Mesmo fervendo e azedo
Mas não pegava a cachorra
Lampião partia firme
Mas a cachorra pulava
E na ponta do punhal
Ele não lhe encontrava
Se ela passava a mão
Na cara de Lampião
A grande marca ficava
Ele dizia: - Meu Deus!
O que é que eu faço agora?
E na cachorra empurrou
O punhal na mesma hora
A cachorra se enfureceu
Na canela lhe mordeu
E apertou que quase tora
Lampião na agonia
Deu-lhe uma furada boa
Debaixo da pá esquerda
Que ela ficou meia atoa
Pra cima dele pulou
Lampião se aproveitou
E novamente cravou-a
Era grande o ruge-ruge
Da cachorra e Lampião
Se agarraram eles dois
Embolando pelo chão
Um por cima, outro por baixo
Mas Lampião era macho
E a cachorra era o Cão
Lampião ergue o punhal
Mas a cachorra avançou
Dando logo uma dentada
No seu pulso e segurou
Lampião puxou a mão
Com força e disposição
Que o sangue quente jorrou
Lampião disse: - Valhei-me
Padrinho Cícero Romão
Venha aqui me defender
Que esta bicha é o Cão
Nunca lutei pra perder
Mas já vi que vou morrer
Se não houver proteção
Lampião falando assim:
A tal cachorra pulou
Ficou 3 metros na frente
E para ele, ela olhou
Deu-lhe mais um empurrão
Que derrubou Lampião
E na cara dele mijou
Ela ouvindo ele falar
No padre Cícero Romão
Sabendo que o padre era
Padrinho de Lampião
A cachorra esmoreceu
Deu um pinote e correu
Sem deixar sinal no chão
Lampião ficou caído
Muito sangue pelo chão
Com os santos se pegando
No escuro procurou
Até que o rifle encontrou
E nele foi se escorando
Limpou o punhal nas folhas 
Levantou-se e foi embora
Com a roupa toda suja
E saiu de mundo afora
O que não acreditar
Com a cachorra vá lutar
Pelo menos meia hora.


José Costa Leite nasceu em 27 de julho de 1927, em Sapé na Paraíba

Nenhum comentário:

Postar um comentário