segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Crônica de Luiz Augusto Crispim

  O presente


Não era dia dos namorados, mas queria impressionar a mulher amada com algo arrebatador, diferente da vulgaridade desses artigos de promoção que aparecem a cores nos encartes de domingo.
Nada de estojo de toucador, muito menos essas quinquilharias fabricadas em série para amantes seriados. Encomendou a um mercador do Oriente que trouxesse a mais fina seda que pudesse encontrar nos bazares da Pérsia ou nos cantões da China.
Ora, meu caro senhor, respondeu o homem, com certa ironia. Onde quereis que vos adquira tão disparatada mercadoria? A Pérsia já não existe mais. Agora, ela produz petróleo, com outro nome e a China trabalha tanto, que nem se lembra de tais frivolidades.
Pediu, então a outro viajante que procurasse nalguma praça de Madri uma mantilha de renda negra, orlada de fios prateados, de modo a contrastar com a fronte da mulher amada. O negociante espantou-se com o pedido e contestou irritado:
Sois louco, senhor? Por quem tomais os espanhóis? Acaso imaginais que ainda tangem as cordas de canoras guitarras, em românticos pátios mouriscos? Já não existem mantilhas, senão as de rendas sintéticas, que podeis encontrar no supermercado mais próximo.
Mas não perdeu as esperanças e escreveu a uma vendeuse francesa, rogando que lhe enviasse um frasco da mais pura fragrância parisiense, de preferência do boudoir da Pompadour ou da alcova de Desirée.
Desolado, recebe a resposta: “Pardon. Monsieur pt. Vossa encomenda é anacrônica et demodé pt mercadoria esgotada pt Nossos bistrôs somente produzem aromas programados por computador. Au revoir.
Quem sabe, na Itália, o aroma não fosse tão mecânico? Implorou, então, a um veneziano que embarcava de férias. Que comprasse o melhor tecido italiano, feito especialmente por tecelãs da Calábria, se possível.
Também desta vez não seria possível satisfazer a tão insólito e apaixonado desejo. Explicou o italiano que a Calábria já não se ocupava dessas ninharias. Agora, era um parque industrial de grande porte. E aconselhou que o enamorado pensasse em algo de mais moderno, mais up-to-date.
Acabou dando razão ao amigo veneziano. Precisava mesmo escolher alguma coisa naqueles padrões anunciados na televisão, ainda mais com a vantagem de ser financiada em tantas prestações quantos fossem os meses de duração do amor...
Pois é. Até no amor as regras mudam. Quem quer saber mais daquele namorar caseiro, nem tampouco daqueles mimoseios de seda chinesa dos tempos das raparigas em flor?
Cancelou, então, as encomendas e foi passear no shopping, onde arrumou uma nova namorada a quem nunca deu presente nenhum.
Sexta, 15/8/2003

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