quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Poema de Chico Pedrosa

O Guarda Abilolado


Doutor, eu tenho razão,


De ser meio abilolado,

Venho do tempo marcado

Por seca e revolução.

Quando eu tinha ano e meio,

Escapei de um tiroteio,

De meu pai com a bolandeira.

Se meu pai ganhou, eu não sei

E também nunca perguntei,

Nem, sequer, por brincadeira.

Vim conhecer a cidade,

Quando votei pra prefeito

E, por sinal, ele foi eleito,

E, para minha felicidade,

Ele me deu um emprego:

Me entregou uma farda,

Um capote, um coturno,

Um capacete envernizado,

Um apito enferrujado,

Eu fui ser guarda noturno.

Passeava as noites inteiras,

Apitando na cidade,

Escola, igreja, cinema,

Mercado e maternidade.

Nas noites frias do inverno,

Eu usava um velho terno,

Umas meias de crochê,

Bebia quatro cachaças,

Dava três voltas na praça

E corria pro cabaré.

Lá existia de tudo:

Discursão, briga, lorota,

Um contava aventura,

Outro pagava uma meiota;

Quando um bêbado se zangava,

Eu ia lá e ajeitava.

O bêbado ficava manso,

Pagava pra mim uma bebida

Eu dava um apito e saía,

Na velha ginga de ganso.

Até que um dia o prefeito,

Fez uma reunião

E nela perguntou aos guardas:

-Querem aumento ou promoção?

Antes de fechar a boca,

Eu gritei com voz rouca:

-Quero promoção seu Zé!

Disse ele ta garantido,

Aprovado e promovido,

No maior posto que houver.

Me deu uma farda nova, florada,

Quem nem chita enfeitada,

De galão, estrela, medalha e fita,

Broche, botão e alfinete;

Trocou meu velho cacetete

Por um novo profissional,

E me disse: de hoje em diante,

Você é comandante,

De Guarda Municipal.

Pois três meses depois,

Veio a guerra mundial

E, nesse tempo, uma irmã minha

Tava morando em Natal.

Eu fui visitá-la;

Botei a farda na mala,

Passei o cargo a Raimundo

Que era quase um irmão.

Peguei o trem na estação,

E me intupigaitei pelo mundo.

Que lugar longe da gota.

Quase o trem não chegava mais;

Tinha hora que pensava

Que ele tava andando pra trás.

Entre solavancos e berros,

O velho embuá de ferro,

Viajou a noite inteira,

E de manhã cedo, chegou

Deu um apito e parou

Na estação da Ribeira.

Desembarquei e fiquei

Perdido na multidão.

Quando eu puxava uma conversa

Ninguém me dava atenção.

Quando mais bom dia dava,

Mais o povo se abusava,

Talvez me achando chato.

Era um povo diferente,

Da qualidade da gente,

Das cidadinhas do mato.

Perguntei a mais de mil,

Se eles davam notícia

De Carmelita de Sousa,

Uma cabocla mestiça,

Mulher do guarda Pompeu,

Mais morena do que eu

E de cabelo meio ruim,

Que morava na Ari Parreira,

Que fica perto da feira

No bairro do Alecrim.

Depois de tanta pergunta,

Depois de ouvir tanto não,

Me apareceu carmelita,

No pátio da Estação,

Toda cheia de finesses,

Puxando nos Rs e Ss

Que nem mulher de doutor,

Nem parecia a matuta,

Que lavrou a terra bruta,

No Sertão do interior.

Mesmo assim me recebeu,

Na sua casa modesta,

Os primeiros cinco dias,

Para nós foram de festa.

Quando o sexto dia veio,

Resolvi dar um passeio.

Mandei engomar a farda,

Me banhei, tirei o grude,

Me preparei como pude,

Para ter um dia de glória.

Passei o resto da tarde,

Sentado num tamborete,

Pregando estrelas, galões,

Broche, alfinete, botões,

Comprei mais uns acessórios,

Enfeitei o suspensório,

Feito de sola curtida.

De manhã cedo me vesti,

Tomei café e sai,

Dando risada da vida.

Na praça Gentil Ferreira,

Onde tinha um mercado,

Eu parei para tomar fôlego,

Quando passava um soldado

E fez continência para mim.

Eu fiquei pensando assim:

Que danado ele viu neu,

Na certa ta me confundindo,

Ou me achando parecido,

Com algum colega seu.

E haja passar soldado,

Fazendo assim com a mão.

Daqui a pouco era sargento,

Coronel, capitão, cabo,

Tenente, major

E todo o estado maior,

Dos quartéis da redondeza

Cumprimentavam-me ali

Até hoje nunca vi

Tamanha delicadeza.

Desfilaram tanques de guerra,

Aviões em vôo rasantes,

Sirenes tocaram mais fortes,

Canhões dispararam distantes.

Um praça do Coronel,

Puxou do bolso um papel,

Onde tinha um letreiro

Que dizia: - Nossa terra

Tem um espião de guerra,

Que chegou do estrangeiro.

Não quis falar com ninguém,

Não pergunta e nem responde,

Ninguém sabe de onde vem,

Ninguém sabe onde se esconde.

A sua farda é de cor de ameixa,

A impressão que nos deixa,

É que é um grande guerreiro,

Filho de outra nação,

Ou um perigoso espião,

Das guerras do estrangeiro.

Vamos levá-lo ao quartel,

Para uma averiguação,

Pois precisamos saber,

De onde veio esse espião.

Em seguida me levaram

Ao quartel e me entregaram

Ao Comandante Geral

Que, quando me viu fardado,

Perguntou meio assustado:

- Que tás fazendo em Natal?

Donde diabo é essa farda?

Faça o favor de informar,

E como se chama a nação

Que usa uniforme diferente?

E quem lhe deu tanta patente?

A troco não sei de que.

E porque Vossa Excelência

Não responde as continências,

Afinal, quem é você?

-Coronel, eu sou Zé Carrapeta,

Sou filho do Cariri.

Não sei fazer continência,

Pra gente que nunca vi.

Porém, nunca fui intruso

E, acredite, eu só uso

Esse quepe de biriba,

Essa farda e esse coturno,

Porque sou Guarda Noturno,

Em Sapé, na Paraíba.

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