sábado, 4 de junho de 2011

Veisalgia


Por Bruno R. R. Santos

 Dor não. Tontura talvez, horas: perdi o horário. A hora é essa: perdi.
             
          Minha cabeça simula Hiroshima, acho que eu não sei onde estou. Não reconheço esse despertador, devo estar em outro mundo. Finalmente os alienígenas pousaram. O álcool e o seu doce efeito desidratante causado pela elevação da produção do efeito urético, causando essa dor de cabeça dos infernos, letargia e a boca mais seca do que um deserto. O álcool chegou ao meu estômago, a náusea que estou sentindo confirma isso. Glicose já disse adeus, vejo pela minha fadiga, fraqueza, desconcentração e cara de ódio. Toco no meu rosto mal barbeado e vejo ódio com leves oscilações de suicídio. Dor não. Morto talvez. O quarto está com epilepsia; vejo livros e um morcego de plástico em cima de um armário velho. Minha mãe já dizia: “vá para a igreja e pare de beber.” Elas sempre estão certas, pego o meu óculos, tento achar alguém em casa. Aparentemente ninguém. O mundo continua rodando, meus tremores piorando, sinto meu fígado pedindo pinico. Agora não, querido. Minha boca com um leve gosto de merda, meus dentes fracos, meus olhos querendo fugir, minhas pernas não aguentando, caio no chão, o mundo roda. Agora eu senti dor. Fiquei com vontade de usar o truque do meu pai: beber mais. Todo alcoólatra faz isso, deve ser uma lei. A cura da ressaca é a fonte da ressaca. Poético. Os velhos sempre foram mais épicos nas bebidas, não consigo divagar. Travou tudo. A cabeça volta a rodar, continuo sem saber onde estou. Eu estava falando do que mesmo? Glicose épica nos tempos de Hiroshima? Claro, bons tempos esses, meu pai deve saber disso. Já falei que o meu pai é um alcoólatra épico? Dor, morte e tontura, a trilogia ideal. O pessoal do trabalho deve estar louco comigo. Quinta vez nesse mês que eu falto, tenho que levar as minhas promessas de parar de beber a sério.

Abro o olho direito, o esquerdo se fecha. Na minha frente, eu vejo uma mulher, tudo torto e mal regulado, cabelos pretos, camisola, aparenta ser bonita. Sorte grande para mim.

“Você não vai sair daqui.” Ela tem os lábios grandes, uma voz suave, ela gosta de sacanagem, conheço pelo cheiro. Tem uma corda na mão: do jeito que eu gosto.

“Pode me amarrar, gostosa.”

“Vou sim, gostoso. Para sempre.”

“Do jeito que eu gosto.”

Ela coloca um saco preto na minha cabeça, continuo rindo, enquanto ela me amarra com certa agressividade. O hálito dela cheira a morango com álcool.

“Gostando?” ela geme no meu ouvido.

“Amando, gostosa.”

“É bom se acostumar.”

Ela me leva para algum lugar, nossas risadas são estridentes, não estou me importando com o trabalho, tirei a sorte grande. Uma gostosa sádica e cheia de fetiches. Finalmente eu acertei, o pessoal do escritório tem que saber dessa. Enquanto o mundo roda, meu enjôo aumenta, meu vômito fica travado na garganta e os sons da vizinha conversando me incomodam, eu penso: “como a vida é épica.” Os bons sempre são recompensados na hora certa.

Ela me joga no chão. Beija o meu rosto e diz que vai voltar, fala baixinho: “Já eu volto, gostoso.” Ouço um barulho de porta se fechando. Meu sorriso bobo continua estampado na minha cara torta. Pode ser impressão, ou efeito do álcool, ou simplesmente aquela sensação de ser bom demais para ser verdade, mas algo me diz que amanhã o meu dia será bem pior. Bem pior mesmo. Se eu tiver sorte, as coisas começam a piorar hoje. Agora. Na verdade, eu queria uma cerveja. Nos tempos épicos e poéticos da grande Hiroshima, eu não teria que passar por isso. Dizem que sempre que um homem pensava em cerveja, surgia uma na sua frente. Bons tempos que não voltam mais. Será que ela vai demorar? Só consigo pensar em cerveja, se tivesse uma aqui, as coisas ficariam mais claras e divertidas. Brochei. Droga, pelo menos a dor passou. No meio do meu turbilhão de pensamentos, não a ouço entrar, só consigo ouvir alguns sons metálicos e a voz doce e suave dela dizendo em meu ouvido: “Não vai doer, gostoso.”

Sério. Eu realmente gostaria de uma cerveja agora.



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