terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Ode Aos Pequenos Blocos

Por betomenezes

Abra os ouvidos. Está ouvindo? A ala-ursa pede passagem. Os meninos batem na lata. Ensaiaram ontem o dia inteiro. Vinte e cinco centavos pra cima vale. Carnaval começou, cara, isso é um fato, não adianta meter a cabeça no travesseiro, seus neurônios já entoam ombro sobre ombro, saca-saca-saca-saca-rolha…
Vá sacar o dinheiro da camisa do bloco do seu amigo. Esse ano tem um bocado de blocos. E você vai ter que prestigiar um por um. Se quiser faça um empréstimo, destroque aquelas notas mofadas debaixo do colchão.

Quem me vê falar desse jeito pode até pensar que você não gosta, não tem jeito pra coisa. Injustiça da minha parte. Você adora carnaval. Você é o próprio momo. O problema é que toda vez você esquece disso. Mas lá dentro, oh se não, lá dentro da sua cabecinha tem um parafuso troncho, um dom troncho. É só escutar um sopro desentoado do metal de vassorinhas, vixe maria!, que ele sai contaminando o seu juízo pra sair pulando todo santo dia mesmo antes de começar o dito cujo, o ordinário carnaval.

Os Resistentes do Geisel, ano II. Os Extravagantes de Tambauzinho, ano IV. Os Miseráveis do Cabo Branco, ano IX. Os Subterrâneos da Ilha do Bispo, ano I. As Casamenteiras de Gramame, ano III. Os Desprovidos do Jardim Veneza, ano III. Os Orelhudos de Jaguaribe, ano IV. Os Barraqueiros do Jardim Luna, ano I.

Você tem amigo na cidade toda. Já dizia maria, essa capital parece uma vila, você é conhecido que é uma maravilha. Você tem amigo que nem sabia que tinha. Eles guardaram uma camisa especialmente pra você. Vista o uniforme, é vinte conto, tem pê, eme, gê e beibe luque, junto ainda vem o cd com o hino pra você em duas escutadas aprender. O dinheiro paga a banda, a cachaça e o estouro de vinte e nove tiros que vai arrepiar os pelos do seu coração quando o bloco cair rua adentro.

Ano passado foi assim: “ai, num vou não, tou cansado, trabalhando muito, amanhã acordo cedo, imagina a ressaca se eu cometer essa loucura”. Aí, você pegou o controle remoto ligou a tevê, e no jota-pê-bê alguém tricotava com as pernas uma marchinha disfarçada de frevo, ou um zé fantasiado de enfermeira fez você ver o quanto era besta ficar olhando pra uma tela, se bem que poderia estar nela. E você foi, não foi?

Você vai! Conheço você. Você é o maior cometedor de loucuras que conheço. Você ama os pequenos blocos, as mesmas caras. Tem o prazer igual ao de ir à padaria no mesmo horário pra cruzar com aquela velhinha, com aquela moça, com aquele outro com a cara de otário. Vocês curtem, vou além, compartilham desse momento único que se repete todo dia, é bom, né? Você faz isso, todos fazem, ou você não sabia? No bloco vai todo mundo, até a ausência será apresentada e você sentirá falta dela. Um passarinho me contou que esse ano vai aparecer uns candidatos a vereador. Esses, é fácil de ver, não sabem sambar, não bailam, não bebem, são feito beija-flor importunando o juízo dos amados foliões.

Mas pouco importa, né? Você vai se enroscar com a serpentina. Vai jogar de volta a serpente de papel pro ar, enrolar todo o bloco que não passa de cem maravilhados. De cem pra lá é multidão. Ui, você não gosta de multidão. É muita cara, não dá pra decorar, você gosta de coisa pequena. Um bloquinho pra chamar de seu, um bloquinho que escutem quando você gritar eu-mato. Você torce o nariz pros blocos grandes. Até quando vai pros grandes (você solto na buraqueira vai até de nariz torcido), você faz questão de vestir a camisa de um primo da cunhada do seu irmão que dá cerveja grátis e abraça todo mundo com lisura que faz você honrado por tá ali.

Você não dá a mínima pra calo no pé, bolha, dor de cabeça. Pra que corpo, se você tem alma? No outro dia, você quer ir de novo: “oba, na quinta, vai ter três”, quer ir de novo, quer ir de novo, quer ir novo, até que no sábado de carnaval, você vai levantar de manhã e dizer: “isso foi bom demais da conta, para o ano quero repetir e quero mais mil”. Só aí você vai ter uma crise de risos porque vai perceber que o carnaval, aquele do calendário, tá só começando. Que nem um doido vai ligar pra mim: “e aí pessoa, tá a fim de ir dá um pulinho em Olinda?”. Como todo torto de nascença que sabe dar seus pulos, vou dizer: “oxi, só se for agora! Simbora!”

Antes de sair, você vai dar uns cinquenta giros no cadeado do portão, só por garantia. As camisetas de uma semana de folia estarão penduradas uma ao lado da outra. Espólio raro que só merecerá quem for participar, prestigiar e ser prestigiado em todos esses blocos que só existirão pra você e pra uns chegados (a um carnaval).


 

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