terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O lúdico na poesia de Águia Mendes e Eloí Bocheco


Por Neide Medeiros Santos – Critica literária- FNLIJ/PB 

Poesia 
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião. 
(José Paulo Paes. Convite. In: Poemas para brincar) 

Se fizermos uma retrospectiva da poesia infantil brasileira nos últimos trinta anos, iremos encontrar um bom número de poetas voltados para o lúdico. Nesta nova linha, destacamos José Paulo Paes e, mais recentemente, Manoel de Barros. A respeito desses dois poetas, há um fato curioso que merece ser registrado – José Paulo Paes e Manoel de Barros só começaram a escrever para crianças na maturidade. Estavam, portanto, como disse certa vez Manoel Bandeira, amadurecidos para a vida e para a poesia. 
“Poemas para brincar”, de José Paulo Paes, na acepção da professora Regina Zilberman “Como e por que ler a literatura infantil” (Objetiva: 2005): ”...talvez seja o texto que melhor esclarece o que significa escrever para crianças e esperar que o leitor aprecie, pois o escritor estabelece uma conexão entre brincar e escrever.” (p.129)
Manoel de Barros começou a escrever livros para crianças em 1999. O primeiro foi “Exercícios de ser criança” (Ed. Salamandra), depois vieram muitos outros. É um poeta que trabalha cada letra, cada sílaba, cada palavra, procurando dar harmonia ao texto. Nos seus poemas afloram sentimentos inerentes ao leitor infantil. Passarinhos e outros pequenos animais têm voz. 
A poesia lúdica de Paes e Manoel de Barros foi bem assimilada por poetas mais novos. A trilha de poetar com ludicidade encontra boa receptividade no paraibano Águia Mendes – “O boi pastando nas nuvens” (Ed. Ideia, 2010) e na catarinense Eloí Bocheco –” Pomar de brinquedo” (Ed. Larousse Jovem, 2009). 
O título do livro de Águia Mendes já nos transporta para o mundo onírico, da fantasia, dando-nos a impressão de que estamos diante de quadros de Marc Chagall. 
Quando abrimos o livro e começamos a ler os poemas, sentimos que o poeta está mesmo disposto a brincar com as palavras. A brincadeira se evidencia nas repetições, no jogo de palavras, no inusitado de certas imagens. Vejamos este exemplo: 

A escova de dente
da boca 
é o pente
escova cabelo 
de dente. (p.15) 

O ludismo também se faz presente na linguagem visual, como neste poema: 

árvores 
são aves 
de chão 
eternamente 
pousadas. (p.36) 

A ilustração criada por Horiéby Ribeiro apresenta troncos de árvores providos de bicos de passarinhos, olhos de gente e asas de anjo. 
Eloí Bocheco transformou “as caras lembranças da infância numa ciranda poética para celebrar o sonho e a fantasia”. Vamos dar um passeio pelo pomar de brinquedo e desfrutar da ludicidade dos poemas. 
No poema “Na roda”, o eu-lírico intertextualiza com as cantigas de roda: 

O limão entrou na roda
não sabia dançar
chamou a tangerina 
para ser seu par. 
(...) 
Assim assim 
assim assado
dança o limão
todo requebrado. (p.7) 

O processo de associação por semelhança está presente nestes versos que mais parece uma adivinhação: 
Por que será que 
a fruta do conde 
tem rugas? 
Quem saber contar 
é a tartaruga. (p.11) 

Eloí Bocheco é pesquisadora do folclore brasileiro e da poesia popular, daí seu gosto pelas quadrinhas populares como neste exemplo: 

De pertinho, as amoras 
são uvas em miniatura. 
Bote os cachinhos na mão 
e veja se são ou não são! (p.27)

Os poemas apresentados demonstram que estamos diante de dois poetas comprometidos com o lúdico que sabem fazer “peraltagens” com as palavras e cantar antigas cantigas de roda. 
Para caracterizar o menino/poeta Águia Mendes, escolhemos esses versos de Manoel de Barros: 
O menino aprendeu a usar as palavras
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras
E começou a fazer peraltagens. (Exercícios de ser criança) 
Eloí Bocheco condiz com os versos de Cecília Meireles: 

Chegaremos de mãos dadas
cantando canções de roda. 
E então nossa vida toda
será das coisas amadas. (Cançãozinha para Tagore) 

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