terça-feira, 4 de dezembro de 2012

VICENTE EM PALAVRAS – sobre dor e despedida


Por Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB

            Oh, pedaço de mim
            Oh, metade arrancada de mim
            Leva o vulto teu
            Que a saudade é o revés de um parto
            A saudade é arrumar o quarto
            Do filho que já morreu.
            (Pedaço de mim. Chico Buarque).

            É sempre doloroso falar sobre a morte, principalmente quando esta morte é prematura, a morte de um jovem. O livro de Caio Riter - “Vicente em palavras” (Lê, 2012) – trata deste tema. O escritor confessa que sempre quis “criar um personagem que não  fosse apenas criação minha”, escrever um livro em que o narrador (o autor) ficasse quase invisível aos olhos do leitor. Realmente ele conseguiu essa proeza.  São vários narradores que escrevem sobre Vicente (Vico), um rapaz de quinze anos que morre em um acidente de skate.  É um romance juvenil polifônico.
            “Vicente em palavras” é um livro de muitas vozes – a voz do pai, da mãe, do irmão, da namorada, de alguns amigos. Cada uma dessas vozes vai revelando quem era o jovem Vicente. Para a mãe, era o filho caçula, o mais querido, o mais alegre, brincalhão, o mais cativante. O pai, Pedro Artur, se interroga: será que fui realmente um bom pai? O que deixei de fazer por meu filho?  A sua incerteza, leva-o a escrever cartas para o filho morto.  Marta é escritora e depois da morte do filho está sempre trancada em seu escritório digitando. Será um novo romance? Henrique, o irmão mais velho, lamenta a morte de Vicente, mas sente “um certo alívio de saber que não haverá mais necessidade de disputar o carinho da mãe com mais ninguém.” (p.35).
            Na primeira carta que Pedro Artur faz para o filho, ele conclui com estas palavras: “O tempo passou, a vida passou, e agora só me resta mesmo lançar palavras no papel, na esperança vã de que, esteja você onde estiver, elas, um dia possam alcançá-lo”. (p. 10).
            No texto que a mãe está escrevendo, ela externa toda sua dor no capítulo II: “Sei que Henrique sofre, sei que Pedro Artur chora a perda do filho. Sei. Mas sei também que a dor que eles sentem não pode se comparar à minha. Sou mãe. Um pedaço de mim se foi.” (p. 12). Aqui lembramos a bonita música de Chico Buarque – ‘Pedaço de mim” que fala sobre a morte  de um filho e a dor da mãe ao  arrumar o  quarto do filho querido  e saber que ele não volta mais, se foi para sempre. O sentimento de saudade de  Marta é o mesmo da canção. O quarto não está vazio porque lá está Henrique, o filho mais velho, mas Henrique é tão diferente de Vicente!  É calado, introspectivo, sério, de sorriso contido.
            Natália, a namorada, escreve um diário e chama o ex-namorado de Vico, forma bem carinhosa.  No diário, ela registra: “Não consigo fechar os olhos. Para todo lado que eu olho, fico vendo o sorriso do Vico. Do meu Vico. Que não é mais meu.” (p.15).    
            Henrique, diante da partida inesperada do irmão, recorda as férias passadas na praia de Torres, na casa da avó. Os dois eram crianças, Henrique com 10 anos, Vicente com oito, e o susto de um quase afogamento de Vicente. Henrique salvou o irmão, mas a mãe não compreendeu o gesto do filho mais velho e deu-lhe castigos. Culpava-o dizia-lhe que, como mais velho, tinha obrigação de protegê-lo. E repetia, de forma insistente: “E se o teu irmão morre? E se ele morre?” (p. 16).
            Surgem outras vozes – são as vozes dos amigos, colegas de Vicente: os diálogos de Fred com Guga, de Vírgínia com Fred, de Lucas com Fred, de Fred com Lara.  Sempre Fred, o apaixonado por Natália, o que sofre com a indiferença da moça.   
            O pai, que antes se mantinha distante dos filhos, ocupado com as questões de seu escritório de advocacia, agora se volta para Henrique e resolve entregá-lo as cinco cartas que escreveu para Vicente. Nessas cartas, Henrique irá saber os reais sentimentos do pai, a sua opinião sobre os filhos.
            E Natália? Será que vai resistir às investidas de Fred? Ela acha ainda muito cedo para pensar em um novo amor – a dor e a saudade são muito fortes, talvez com o tempo... quem sabe...
 A morte de Vicente proporciona o reencontro da família – pai, mãe e o filho mais velho; a superação da dor da namorada, a aproximação entre os colegas.
            Há, ainda, neste livro, uma valorização ao ato de escrever. Marta escreve um livro que fala sobre o filho morto, Natália registra seus sentimentos no diário, o pai escreve cartas, Henrique escreve “palavras”. 
            Este livro de Caio Riter fala sobre a morte, um tema pouco comum em livros para jovens e adolescentes, mas o autor foi tão sutil que não chocou o leitor em nenhum momento.

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