terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Poema de Jomar Morais Souto*

ELEGIA PARA OS SAPATOS AO SOL



I

Molhados. Estão molhados.

Deixo-os, pois, secar ao sol,

São sapatos fazem jus

a um canto dentro da luz

derramada pelo sol.



Eles são sapatos, hoje.

Mas, ontem, foram bois mansos.

Tiveram amplos currais

e pastagens e arrebol.

Antes, levavam os carros.

Levam, hoje, os pés dos homens

da sombra triste para o sol.




Eles são sapatos, hoje.

Mas, ontem, foram bois mansos.

E escutaram os tristes cantos

dos vaqueiros pelos campos

cantando de sol a sol


II


Só depois dos estilhaços

e dos seixos dos caminhos,

viram-se em frente da morte,

no matadouro, sozinhos



E o sangue que antes jorrava

só na ponta do ferrão,

desceu ao ventre da terra

em rubras poças, no chão.



Tiveram o couro suspenso

na noite de algum curtume,

entre as carícias do vento

e os beijos de um vaga-lume.

(Eram, antes, bois de carro

- um par autêntico e manso.

Mereciam, pois, na morte,

um momento de descanso).


III


Eles são sapatos, hoje.

Mas, ontem, foram bois mansos.

Muito antes do curtume,

do operário e do formol,

e dos rastros nas areias

caminhos de algum farol.


Por isso eu abro a janela

e deixo-os secar ao sol.



- Um minuto de silêncio!

Não ria nem chore, pois

esses, hoje, assim, sapatos,

um dia já foram bois.

Perderam somente o sexo.

Continuam sendo dois.


*Nasceu em Santa Luzia do Sabugi, Paraíba, em 1935. Em 1961 ganha o Prêmio Augusto dos Anjos com os poemas de Pedra de Espera.

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