ELEGIA PARA OS SAPATOS AO SOL
I
Molhados. Estão molhados.
Deixo-os, pois, secar ao sol,
São sapatos fazem jus
a um canto dentro da luz
derramada pelo sol.
Eles são sapatos, hoje.
Mas, ontem, foram bois mansos.
Tiveram amplos currais
e pastagens e arrebol.
Antes, levavam os carros.
Levam, hoje, os pés dos homens
da sombra triste para o sol.
Eles são sapatos, hoje.
Mas, ontem, foram bois mansos.
E escutaram os tristes cantos
dos vaqueiros pelos campos
cantando de sol a sol
II
Só depois dos estilhaços
e dos seixos dos caminhos,
viram-se em frente da morte,
no matadouro, sozinhos
E o sangue que antes jorrava
só na ponta do ferrão,
desceu ao ventre da terra
em rubras poças, no chão.
Tiveram o couro suspenso
na noite de algum curtume,
entre as carícias do vento
e os beijos de um vaga-lume.
(Eram, antes, bois de carro
- um par autêntico e manso.
Mereciam, pois, na morte,
um momento de descanso).
III
Eles são sapatos, hoje.
Mas, ontem, foram bois mansos.
Muito antes do curtume,
do operário e do formol,
e dos rastros nas areias
caminhos de algum farol.
Por isso eu abro a janela
e deixo-os secar ao sol.
- Um minuto de silêncio!
Não ria nem chore, pois
esses, hoje, assim, sapatos,
um dia já foram bois.
Perderam somente o sexo.
Continuam sendo dois.
*Nasceu em Santa Luzia do Sabugi, Paraíba, em 1935. Em 1961 ganha o Prêmio Augusto dos Anjos com os poemas de Pedra de Espera.
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