terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Artigo de Jairo Cézar sobre Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos, o poeta do ordinário

A Paraíba é pródiga em parir, de seu pequenino ventre, mestres da arte em seus mais variados ramos. Este é o caso especialíssimo de Augusto dos Anjos. Poeta de verve singular e de uma popularidade espantosa, Augusto, apesar do vocabulário hermético e cheio de referências a obras da literatura oriental, faz uma leitura nua da alma humana, chocando e encantando tanto estudiosos da literatura quanto leitores menos atentos.

Mas como explicar essa popularidade espantosa, de um poeta que morreu prematuramente aos trinta anos, nos deixando apenas um livro?

Não são poucos os críticos que se debruçaram sobre a obra anjosiana buscando respostas a esse questionamento e a tantos outros que surgem mesmo com a leitura de apenas alguns versos.

Profundo conhecedor da língua portuguesa, homem de erudição pouco comum e de leituras variadas, o poeta de o “Eu”, combina elementos oriundos da Biologia, da Filosofia, da História e do cotidiano, criando assim, uma mescla de popular e erudito pouco vista na literatura nacional. Aliás, como disse Carlos Drummond de Andrade, Augusto é o caso singular da literatura brasileira.

Há, no entanto, certa convergência de opinião entre boa parte dos críticos - a maioria classifica a obra dele como sorumbática, pessimista e cientificista. A força desse obscurantismo levaria, portanto, a fazer com que os leitores suscetíveis aceitassem o jugo como verdade absoluta.

Todavia, apesar de ser possível encontrar elementos soturnos na obra de Augusto, não é essa a sua essência. Em primeiro lugar, não existe poesia cientificista. Não há escola literária com esse nome, como há, por exemplo, o Parnasianismo ou o Barroco. Augusto dos Anjos usa elementos oriundos da ciência com uma função específica e metafórica, exercendo papel secundário ao lado de elementos da vida cotidiana.

Trancafiar a sua poética em uns poucos adjetivos acaba, mesmo que sem intenção, afastando novos leitores , influenciando negativamente a autonomia de quem lê. Mas a força que esses estudos tem, levaram o poeta paraibano a ser mais conhecido por “poeta da morte”, “poeta do infortúnio” e “´poeta do hediondo” do que por seu nome. Assim, ler Augusto dos Anjos seria mergulhar em um sorumbatismo profundo, ato que muitos optaram por evitar.

Mas, em meio a tantas visões simplórias de uma obra tão profunda, eclode o ensaio magnífico de Ferreira Gullar (GULLAR, Ferreira. Toda a poesia de Augusto dos Anjos. ), que traz uma visão nova, desmistificando conceitos negativistas e trazendo elementos novos, como o fato de que a reflexão sobre as coisas mais ordinárias da vida é que agigantam a poesia do paraibano.

Essa opinião vem ganhando adeptos a cada dia, pois hoje já se é possível encontrar, até com certa facilidade, leitores, professores e curiosos que não mais comungam da opinião de que Augusto dos Anjos era o “poeta da tristeza”.

Uma prova robusta disso é o trabalho da cantora e compositora brasiliense Marina Andrade. Marina, demonstrando elegância harmônica, musicou nove poemas do poeta, dando-lhes uma roupagem nova, fazendo deles o cd Versos íntimos, titulo de poema de Augusto. Rock, pop, bossa e até samba foram usados por ela para desflorar o que chamo de “invólucro místico” que envolve essa obra estupenda que é o “Eu”. Foi assim nos dias 12, 13 e 14 de novembro, quando a Livraria Cultura ao lado de Marina Andrade promoveu o I Tributo a Augusto dos Anjos, com exibição de documentários, sarau e um pocket show da artista.

Como convidado do evento, tive  a oportunidade de falar das minhas conclusões sobre a obra anjosiana e reencontrar a música de Marina aliada à poesia de Augusto. Marina presta, assim, um grande serviço aos futuros (e atuais) leitores de Augusto dos Anjos, revelando-lhes outra visão da obra do poeta do cotidiano, com ênfase de que a morte em sua obra nunca é definitiva, como de igual forma as opiniões sobre sua obra imortal.





Jairo Cézar Soares de Souza

Poeta, professor, estudioso da obra de Augusto dos Anjos, ex-diretor do Memorial Augusto dos Anjos em Sapé-PB e autor do livro Escritos nos ônibus.





2 comentários:

  1. Muito bom o texto, mestre Jairo. Faltou falar da presença desse popular em Augusto, das releituras de antigos adágios e da imagética de concretudo com que ele trata seus poemas.

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  2. Valeu, poeta.
    A concretude no imagético e a aproximação com a poética popular serão usados no próximo artigo. Provavelmente publico na próxima semana.
    Devagar se vai ao longe.
    abraço

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