terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Poema de Hidelberto Barbosa Filho

Motivos Para Meu Verso



o meu verso fala:


da fábula do perdido


dos que uivam de amor


do vento da nuvem do medo


dos rascunhos da mosca, da caligrafia,


de tudo que apenas se esboçou.



fala da ferrugem


que habita o lixo dos quintais


dos sapatos expostos ao tempo


do lodo que escorre da noite


da carie, da calvície


de tudo que não existe mais




queria por no meu verso:


em lugar da rima a ruga


o funeral das formigas


o pavor dos besouros sob o sol


restos de coisas, restos de nada,réstias,


nonadas





por um pouco:


do carteiro

do garçon

do alfaiate

do livreiro





pedaços de gilete


alfinetes lâmpadas queimadas


livros riscados pregos


pinças o fútil o inútil


o dúctil




e fazê-lo abrigo

para o pote

o pente a tesoura

o nariz de Adélia

os dentes de Fidélia




o meu verso guarda

um cariri na memória

de tanto que leu Proust

recorda:

o som do leite quente no tacho

o gosto assustado da goteira

o cheiro das tristezas da terra.






Extraído de ANTOLOGIA SONORA – Poesia Paraibana Contemporânea. João Pessoa: Edições O Sebo Cultural, 2009. Produção executiva de Heriberto Coelho de Almeida. Contendo 9 CD com gravações de poemas nas vozes dos autores, e 31 encartes em caixa de madeira. ISBN 978-278-995423

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