Degradassem
NESTA JANELA suja e infestada de poeira, observo a vida passar. A noite cai sobre meus ombros cansados, o Malboro repousa nos lábios, um caminhão de lixo acelera: os garis trabalhando na madrugada densa, obrigados a sentir o nosso verdadeiro cheiro. Aquilo que produzimos e descartamos de nossos lares. Meus olhos envelhecidos saem da janela, caem sob o corpo branco e depilado da carne de 15 anos, essa repousa inquieta. Trago com vontade, ela abre os olhos. Eu digo: “Bom dia.”
“Dia?”
“Figura de linguagem.”
“Tem cigarro ainda?”
Ela prende e solta, a fumaça cria um traço abstrato em sua face fina, levemente francesa. A nicotina contorna os fios loiros do longo cabelo da pureza, eu fico ereto, meu sorriso desconfiado é a prova disso. Ela já sabe, logo, torna a sorrir também. Dentes simétricos, nariz grande e fino por demais, cria uma arquitetura ideal com os olhos verdes e a breve pinta no canto esquerdo superior, acima dos lábios. Crawford com cheiro de leite puro. Ela se levanta do repouso, a calcinha vermelha causa contraste com a pele, continuo em minha inércia.
Ela se dirige até a janela: carros de luxo, limusines, taxis e jovens a urrar anarquias de um mundo ideal. Anemias da anomia. Protesto em forma de espinhas. Lembro-me desses tempos, eu ainda dividia AP com os amigos, não tinha dinheiro. Nunca havia tomado um uísque de 800 reais. Vinhos de boa safra. Não sabia nada da vida. Ainda habitava a sociedade.
Eu era um dos outros. Eu fedia a ser humano.
Ela está parada a minha frente, a bunda lembra um daqueles corações do Danoninho, bem alinhado e desenhado, uma obra de bom grado, ideal em sua medida e composição. Sem celulite ou estrias. Ela vira o rosto, fumaça e cabelo voam em minha direção.
“Gosta da vista?”
“Bastante.”
Nossas fumaças se cruzam, elas sobem rumo à lua cheia, guardada pelo céu escuro, seguindo em direção das estrelas perdidas da penumbra. Abraço-a por trás, ela segura as minhas mãos peludas, cheira meu pescoço, sente o cheiro da idade. Carros e motos aceleram. Pegas, perseguições, sirenes.
O todo está abaixo de nós, somos um. Deuses do nosso próprio mundo.
“Estou feliz em lhe ver, papai.”
“Eu também, filha. Eu também.”
Nosso abraço se torna mais forte, meu sexo se pressiona com as suas nádegas pequenas, porém, carnudas. Ela geme baixo, levanta a cabeça, o pescoço é fino e grande, perfume Chanel. Devo esperar, é assim que devemos proceder. A idade ainda não permite, não sei se aguento esperar como meus ancestrais, mas devo resistir. Nossa seita familiar sempre dividiu o mesmo sangue, não dividimos nossa fortuna sanguínea com vocês. Plebeus da sociedade. Habitantes da escória.
“Nós vamos descer, papai? Às vezes eu tenho curiosidade de conhecer os outros.”
Uma caminhonete cheia de jovens fortes e bonitos passa abaixo de nós. Eles gritam, estão alegres e cheios de energia. A porta do quarto se abre, surge a velha de peitos caídos, maconha na boca e cheiro de bosta, ela pergunta se queremos alguma coisa.
“Saia daqui, não abra mais essa porta, vadia.”
Ela fecha a porta. A jovem em meus braços fica assustada. Ela deve se acostumar, infelizmente. A sua mãe perdeu o juízo, daqui alguns dias, a velha terá que descer. Se fundir com os outros, tornar-se uma com toda a sujeira cultural e social que vocês produzem.
A bela levanta o pescoço, os lábios se se encostam a minhas grandes orelhas.
“E então, papai. Vamos?”
Trago o cigarro, a fumaça esvai, cria uma barreira entre janela, realidade e nossos corpos unidos.
“Nunca, minha filha. Nunca.”
Fecho a janela, puxo a cortina, peço para ela tirar a calcinha. Minha respiração fede a tequila. Minha impaciência cheira a ácido.
O quarto escuro esconde a minha excitação. Jogo o cigarro no chão, piso nele, arranco as minhas roupas e repito com convicção: “Nunca.”
Bruno edita o http://quebrandoogenio.wordpress.com/
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