Por Carmem Célia Vasconcelos Pereira
“Escritos no ônibus” é o livro inaugural da poesia de Jairo Cézar. O título qualifica seus versos, suas poesias já subentendidas, mas também submete outro significado: a transitoriedade. Todo processo de produção, criação ou evolução requer um estado de passagem, de transferência para outro plano e, assim, o “Escritos no ônibus” sugere o primeiro passo na longa estrada da poesia. A condição de serem escritos no ônibus talvez indique a popularidade e a universalidade, mesmo que inicial, do seu lugar-comum.
É neste meio de transporte popular que as histórias surgem, as externas ao poeta e as dignas de registro em poesia; é no ônibus que a mente sossega após um dia inteiro de trabalho e quando se pode pensar na vida dura que cada um leva. Seu templo interior refletido nos outros. Ao adentrarmos na análise dos poemas, verificamos que a métrica dos poemas é meticulosamente pensada, sugerindo o racionalismo semelhante a poetas como Olavo Bilac e João Cabral de Melo Neto. Os títulos são enxutos, a maioria de substantivos e outros definidos com artigos, ou seja, o cuidado em não ser excessivo ou prolixo é claramente percebido.
Mesmo para um leitor que desconhece a pessoa do autor, vai verificando, à medida que segue a leitura, que Jairo é bastante influenciado por Augusto dos Anjos. Tal influência não poderia ser diferente e se justifica pelo local de moradia do autor e cidade natal de alguns parentes, Sapé, interior da Paraíba. No entanto, os versos de Jairo não se limitam às características augustianas. A primeira poesia do livro \"O Papel\" homenageia nosso maravilhoso papel, instrumento de adoração e trabalho, no momento do nascimento das ideias, resgatadas pelo “papiro, pássaro albino sem asas”. \"Alforria\" é uma obra-prima tanto métrica quanto semanticamente. A libertação segue o rumo da negação, da possessão dos pronomes possessivos, da indefinição do ser perante os pronomes indefinidos “ninguém”, “alguém”, “qualquer”. Há a busca da própria identidade na confusão de não se ter e ser do outro. O eu lírico quer ser importante para si mesmo, impor-se, mas sem saber o que é “Sou o que sou”. Por fim, sabe o que não é, “Não do poeta”, “Não do sistema”, e se encontra em outras mãos, “Mas do leitor”. O livro de Jairo também tem um certo romantismo. Em \"Lógica do discurso amoroso\" conta o suplício de amar e estar sujeito a vulnerabilidade da paixão. O símbolo predominante é a água, representada pelo rio, pelo gelo e pelas lágrimas, sugerindo a natureza sensível de um apaixonado. \"Perdido no mundo\" é a pura saudade do ser amado, que necessita a presença física, a qual seria a salvação da sua vida.
A desilusão de \"Cotidiano\" é breve quanto ao amor, pelo fim de uma paixão, mas logo se transforma em recomeço “É chegada a hora de reavivar a vida”. Embora aborde o tema mais presente nas canções de amor, o qual atrai interesse na maioria dos leitores, como uma tentativa de sanar suas próprias dores de amor, o sentimento mantém um charme peculiar nos versos do poeta, não é o amor vulgar, pejorativo, é ímpar, singular na sua natureza, mantendo a razão, o juízo e a dignidade. Entrando na área de protestos, \"Greve Branca\" refere-se às várias greves que acometem às universidades públicas do Brasil. É também um marco do período em que foram escritos os poemas, o clima universitário, que elaboração de ideias ainda primárias, terra de efervescência de um espírito poético em formação. \"Saga Nordestina\" dá início à observação da vida sofrida do agreste, desde o nascimento como vindo de um suspiro fraco, sem força de vontade até o crescimento, já adulto continua sem força, sugerido pelos adjetivos “fraco”, “anêmico”, “magro”, “parco”, “murcho”, “escassez”. Essa condição de fraqueza da vida tira logo, ainda moço, a vida deste filho primogênito. Seguindo a veia nordestina, de protesto e confissão, Espera cita os nomes dos guerreiros anônimos “Marias”, “Josés”, “Moisés” e cria uma atmosfera de expectativa “Lá vêm as virgens”, “Lá vêm as viúvas”, “Lá vêm as nuvens”.
Mantendo o sentido de protesto, temos no livro \"O operário e a fábrica\", cujo funcionário sabe da sua insignificância, porém a fábrica o mantém enganado por precisar dos seus préstimos como trabalhador. Nos versos “Uma Fábrica que produz um bem que faz / De um fraco um Rei. / Há quem diga que sou importante, / O mais importante de todos.” percebemos a utilização de maiúscula nas palavras fábrica e rei, uma vez que a empresa pararia seus trabalhos se não houvesse seus servis funcionários. No entanto, a fábrica não paga o salário justo, incitando uma greve, que logo é abortada pela consciência de sua importância ao funcionamento. \"Latifúndio\" muda o foco para o dominador, com a palavra “Lavrador” iniciando os versos. Dessa forma, verificamos a preocupação do poeta em manter o protesto, deixar claro para os leitores a verdade encoberta do sertão nordestino, seja pela política, seja pelos velhos coronéis que ainda persistem nesta terra rico em homens valentes, heróicos e batalhadores, mas que ainda se submetem aos desmandos dos seus chefes.
\"Meu mundo\" volta o olhar para o passado, enaltecendo as riquezas da terra, o algodão e o mel, porém também mostra a destruição dos engenhos, das usinas. “Meu mundo estação” é o verso que compara a efemeridade e a mobilidade da vida à passagem do trem pelas estações, em vagões, embora tenha deixado a lembrança do passado. Jairo não alerta para um problema apenas local, do sertão nordestino, mas para uma chaga que mancha todo o território brasileiro, que, sob o sistema capitalista, dá poder a poucos para a escravidão de muitos, utilizados pelo trabalho pesado, humilhante, tendo de continuar presos àquela condição e perdendo a identidade de cidadão, com direitos humanos que vão se enfraquecendo, dia após dia. A dureza da vida no campo é presença marcante nos versos. Traz a secura da terra e a grande necessidade desse povo de manter-se vivo a duras penas. Certamente são cenas que povoam a vida deste poeta que é frágil fisicamente, porém forte de espírito, o verdadeiro guerreiro do Nordeste Brasileiro, como atesta o poema “Engenho”, trazendo o aspecto confessional do local de origem do poeta.
Seu jogo de palavras com semelhança fonética traz o tom musical para seus enredos, registrando o poeta como peça importante para a poesia paraibana contemporânea. Vale salientar que não abarcamos todas as poesias do livro, para não tirar-lhes a curiosidade de lê-las, porém é preciso deixar registrado que estas citadas acima, como as outras, são de uma beleza exuberante, causa êxtase e encantamento difíceis de arrancar de qualquer leitor. Não é arbitrário dizer que as palavras de Jairo Cézar no “Escritos no Ônibus” abrem novos caminhos para talentos escondidos ou esquecidos no campo da poesia paraibana.
Obs:
Este livro, vencedor do Edital Novos Escritos promovido pela FUNJOPE/PMJP em 2008, está “acoplado” ao livro “Seis breves historias sobre a vida o tempo o amor e a morte” de ARCHIDY PICADO FILHO
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