Por Neide
Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB
Que é poesia?
Uma ilha cercada
de palavras por todos os lados.
(Cassiano Ricardo)
Marcos Bagno, escritor, tradutor e professor
de Linguística da UNB, publicou na
revista “Carta Fundamental” ( agosto de 2012) um artigo bem interessante sobre
poesia. Com o instigante título “Não matem a poesia!”, o professor condena o
uso do texto poético como pretexto para
gramatiquices. Pesquisando em livros didáticos de português, ele descobriu que
muitos autores utilizam a poesia para ensinar gramática, o que considera um
absurdo. Se é grave a utilização do texto literário para estudo da gramática,
mais grave ainda se torna quando o texto é poético.
Alguém
já afirmou que a poesia é muito mais para ser sentida do que compreendida, como
entender o uso da poesia para fins didáticos? “Escrever poesia é cinzelar as
palavras”, diz Bagno.
Na
pesquisa que fez em livros didáticos, o escritor encontrou um poema de Sylvia
Orthof – “Ave alegria”, que foi utilizado para estudo de classes gramaticais –
interjeição, substantivos, etc. Uma verdadeira aberração. Nesse poema, Sylvia
Orthof brinca, de modo descontraído, com a oração – “Ave Maria”. Um excerto do poema dá para sentir que jamais
poderia se depreender gramatiquice de tal texto:
Ave alegria,
cheia de graça,
o amor é contigo,
bendita é a risada
e a gargalhada!
Mas não é só Marcos
Bagno que se preocupa com o uso gramatical da poesia em sala de aula. Ana Maria Machado,
no texto “Poesia: semente da literatura”, inserido no livro “Uma rede de casas
encantadas” (Moderna; 2012), apresenta vários exemplos de bons poemas que podem
ser lidos e debatidos em sala de aula sem nenhuma ligação com a gramática. Ela lembra que o poema “Canção do Tamoio”, de
Gonçalves Dias, cria a ilusão de tambores batendo na mata. São os detalhes
literários que devem ser lembrados pelos professores. Examinemos este fragmento:
Não chores, meu
filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A escritora chama a
atenção para a doçura e musicalidade da língua portuguesa. Nossa língua conta
com uma variedade muito grande de vogais
(abertas, fechadas, orais,
nasais), por isso a nossa poesia é muito musical. Aliado a tudo isso, os sons
consonantais do português não são duros, não arranham a nossa garganta.
A escritora não cita poemas de Cecília Meireles, mas
quando se fala em musicalidade surge logo o nome de Cecília, talvez a mais
musical de nossas poetisas. Cecília era tão apaixonada pela música que alguns
títulos de seus livros nos transportam para o reino de Apolo – “Baladas para
El-rei”, “Cânticos”. “Vaga Música”, “Doze Noturnos da Holanda”, sem contar com
os inúmeros títulos de poemas que remetem à música.
O escritor Rubem Alves aconselha que se faça a leitura de
alguns poemas de Cecília ouvindo música clássica e ousamos dar esta sugestão:
Vamos ler os poemas “Elegia 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7,8 – dedicados à memória de
Jacinta Garcia Benevides, avó da poetisa, ao som de “Meditação de Thais”, de Jules
Massenet. Os dois primeiros versos da Elegia 1 são denotadores do clima de
nostalgia que perpassa por todo o poema. Diante da imagem da avó morta, Cecília
escreveu estes bonitos versos:
Minha primeira
lágrima caiu dentro de teus olhos.
Tive medo de a enxugar para não
saberes que havia caído. [...].
Marcos Bagno
considera que escrever poesia é cinzelar as palavras, Ana Maria Machado afirma
que a língua portuguesa é muito musical. Munidos de cinzel e de música construiremos
belos poemas e tornaremos outros mais belos. Essa é a missão do professor,
tornar as palavras mais bonitas, os poemas mais palpáveis, mais próximos do
leitor. Muitos são os caminhos que nos levam à poesia, é preciso saber percorrê-los.
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