terça-feira, 11 de dezembro de 2012

POESIA: CAMINHOS A PERCORRER



Por Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB
            

           Que é poesia?
            Uma ilha cercada
            de palavras por todos os lados.
            (Cassiano Ricardo)
  
Marcos Bagno, escritor, tradutor e professor de Linguística da UNB,  publicou na revista “Carta Fundamental” ( agosto de 2012) um artigo bem interessante sobre poesia. Com o instigante título “Não matem a poesia!”, o professor condena o uso do texto poético como pretexto  para gramatiquices. Pesquisando em livros didáticos de português, ele descobriu que muitos autores utilizam a poesia para ensinar gramática, o que considera um absurdo. Se é grave a utilização do texto literário para estudo da gramática, mais grave ainda se torna quando o texto é poético.
Alguém já afirmou que a poesia é muito mais para ser sentida do que compreendida, como entender o uso da poesia para fins didáticos? “Escrever poesia é cinzelar as palavras”, diz Bagno.
Na pesquisa que fez em livros didáticos, o escritor encontrou um poema de Sylvia Orthof – “Ave alegria”, que foi utilizado para estudo de classes gramaticais – interjeição, substantivos, etc. Uma verdadeira aberração. Nesse poema, Sylvia Orthof brinca, de modo descontraído, com a oração – “Ave Maria”.  Um excerto do poema dá para sentir que jamais poderia se depreender gramatiquice de tal texto:
Ave alegria,
cheia de graça,
o amor é contigo,
bendita é a risada
e a gargalhada!
           
            Mas não é só Marcos Bagno que se preocupa com o uso gramatical  da poesia em sala de aula. Ana Maria Machado, no texto “Poesia: semente da literatura”, inserido no livro “Uma rede de casas encantadas” (Moderna; 2012), apresenta vários exemplos de bons poemas que podem ser lidos e debatidos em sala de aula sem nenhuma ligação com a gramática.  Ela lembra que o poema “Canção do Tamoio”, de Gonçalves Dias, cria a ilusão de tambores batendo na mata. São os detalhes literários que devem ser lembrados pelos professores.  Examinemos este fragmento:
            Não chores, meu filho;
            Não chores, que a vida
            É luta renhida:
            Viver é lutar.
            A escritora chama a atenção para a doçura e musicalidade da língua portuguesa. Nossa língua conta com uma variedade muito grande de vogais   (abertas, fechadas, orais, nasais), por isso a nossa poesia é muito musical. Aliado a tudo isso, os sons consonantais do português não são duros, não arranham a nossa garganta.
            A escritora não cita poemas de Cecília Meireles, mas quando se fala em musicalidade surge logo o nome de Cecília, talvez a mais musical de nossas poetisas. Cecília era tão apaixonada pela música que alguns títulos de seus livros nos transportam para o reino de Apolo – “Baladas para El-rei”, “Cânticos”. “Vaga Música”, “Doze Noturnos da Holanda”, sem contar com os inúmeros títulos de poemas que remetem à música.
            O escritor Rubem Alves aconselha que se faça a leitura de alguns poemas de Cecília ouvindo música clássica e ousamos dar esta sugestão: Vamos ler os poemas “Elegia 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7,8 – dedicados à memória de Jacinta Garcia Benevides, avó da poetisa, ao som de “Meditação de Thais”, de Jules Massenet. Os dois primeiros versos da Elegia 1 são denotadores do clima de nostalgia que perpassa por todo o poema. Diante da imagem da avó morta, Cecília escreveu estes bonitos versos:
 
            Minha primeira lágrima caiu dentro de teus olhos.
            Tive medo de a enxugar para não saberes que havia caído.            [...].
  
            Marcos Bagno considera que escrever poesia é cinzelar as palavras, Ana Maria Machado afirma que a língua portuguesa é muito musical. Munidos de cinzel e de música construiremos belos poemas e tornaremos outros mais belos. Essa é a missão do professor, tornar as palavras mais bonitas, os poemas mais palpáveis, mais próximos do leitor. Muitos são os caminhos que nos levam à poesia, é preciso saber percorrê-los.

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