Por Agamenon Travassos Sarinho
“Poetas, é preciso um canto de protesto e raiva: pisam
Na cabeça do povo e nos rins da pátria.
(…)”
Assim, Fernando Mendes Vianna inicia “Canto da Necessidade”, obra escrita logo após o golpe militar de 1964, verberando todo o sentimento que pungia no peito dos brasileiros, dos brasileiros patriotas. E Fernando o fazia com uma eloquência poética única só possível num eu-lírico do tamanho de uma nação – uma nação ferida. É um poema tenso, mas belo, que chama prá luta, que reclama um preço: o preço da liberdade. Por isto o vate não tolerava complacência:
“Poeta, o povo encha teu peito. Ergue a pena como uma arma.
(…)
Limpa a lágrima com o dorso do punho contraído
E canta como quem empunha um grito
Para matar os que aviltam a vida.” Termina assim seu poema, mas instiga, verso por verso, com muita força os poetas:
“Abaixo as girafas da poesia! Que a palavra seja um rugido,
Um punho, uma semente, um pulso”. Girafas da poesia, aqueles que, na sua visão fechavam os olhos para a supressão das liberdades e a opressão sobre o povo, para aqueles que colocavam a pátria de bruços.
“E tu, poeta, não serás cidadão, não serás homem, não serás poeta, não serás nada,
Se não lutares por essa pátria.”
Pois bem, este, meu poema preferido em “Canto Melhor”, de Manoel Sarmento Barata (Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1969), obra em que procura traçar uma perspectiva da poesia então produzida nas terras tupiniquins, claramente tomando partido, catalogando e analisando obras e artistas sob o prisma do compromisso social. Corajosamente vê a questão do valor poético de uma obra de arte, não sob a perspectiva abstrata, formalista, geralmente dominante entre a crítica, mas pelo seu sentido ou significação, considerando o que o “(…)autor expressa enquanto portador de uma visão do mundo, de uma atitude total, que implica necessariamente, ao lado de outros, conteúdos éticos e políticos”. Cita, por exemplo, Ernest Fischer: “A arte não se contenta sòmente em refletir o real, ela toma partido pró ou contra qualquer coisa. O espelho da arte não é inerte e inanimado; não pode ter a objetividade de um instrumento científico porque não se contenta em observar, e sim participa. Sem que haja uma participação apaixonada na realidade que é preciso representar, não há arte.”(O Problema do Real na Arte – Rev. Estudos Sociais, 16 – março de 1963, pág. 417) e George Luckács: “Não há composição sem concepção do mundo”. – Ensaios Sobre Literatura – Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1965 – pág. 79.
Em certo sentido, Sarmento polemiza com os autores que se despregam deste conteúdo “participante” da poesia. O exemplo é ousado e o alvo canônico: Carlos Drummond de Andrade. Comenta algumas poemas (que refletem diferentes fases de Drummond) mostrando sua trajetória do social(, Elegia 1938, A Bomba) para o desencanto e descompromisso e vale-se de um poema de Moacyr Félix (Recado ao Poeta e seus Problemas) para fazer este contraponto: “(Moacyr) procura estabelecer um diálogo com Drummond de Andrade, em quem reconhece o “irmão maior”. Êle, que desde seu livro de 1953 já formava entre os que reclamam a inserção ativa do poeta na luta pela liberdade, vem lembrar ao autor de Rosa do Povo – agora desencantado e alheio ao sentimento do mundo – que a “enorme realidade” ainda é presente” .
Entre os autores analisados por Manoel Sarmento, Vinícius de Morais (Operário em Construção), Geir Campos (Cantigas de acordar mulher), João Cabral (Cão sem Plumas, Morte e vida Severina), Ferreira Gullar(Por você, por mim), Thiago de Melo (Canção para os fonemas da alegria), Luis Carlos Capinan (Inquisitorial), Affonso Romano de Sant’anna (Poema para Pedro Teixeira – Companheiro Assassinado). São 24 os autores, sendo alguns com várias poesias de intensa carga poética e participante.
É muita coisa bela e de grande carga emotiva, instigando o espírito de rebeldia. Vejamos alguns exemplos: começo com Vinícius de Morais – “Operário em Construção”:
“Era ele quem erguia casas
Onde antes só havia chão
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
que lhe brotavam da mão.
(…)”. Ou esta bela composição de Moacyr Félix, de título “Canto para as Transformações do Homem”:
“(…)
- Meu pai, o que é a liberdade?
- É o seu rosto, meu filho,
o seu jeito de indagar
o mundo a pedir guarida
no brilho do seu olhar.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto da vida
que a vida quis desvendar
(…)
- É um homem morto na cruz
por ele mesmo plantada,
é a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
É Cuauhtemoc a criar
sobre o braseiro que o mata
uma rosa de ouro e prata
para a altivez mexicana
(…)
É a blusa aberta do povo
bandeira branca atirada
jardim de estrelas de sangue
do céu de maio tombadas
dentro da noite goyesca.
(…)”. De Affonso Romano de Sant’anna, trás algo muito nosso, “Poema para Pedro Teixeira – Companheiro Assassinado”:
Ontem, senzala,
hoje cortiço.
Ontem, chibata,
hoje fuzil.
Ontem, Quilombos,
hoje Sapé.
(…)
Tu és pedra,
Pedro Teixeira
e sobre ti levanto
esta bandeira.
Tu és brasa
Pedro Teixeira
e sobre ti já arde
esta fogueira.
Tu és guerra
Pedro Teixeira
e sobre ti cavamos
a trincheira.”
Vale acrescentar que o Brasil vivia – à época em que se instala o golpe – intensa agitação cultural (claro, também política e social, de sentido mudancista, que tanto incomodaram os golpistas) na música, teatro, cinema, literatura. Esta realidade refletia o período desenvolvimentista pós-Vargas e a derrota do fascismo na segunda grande guerra, que resultou num grande prestígio das ideias socialistas em todo o mundo. Neste momento, teve destaque o papel da União Nacional dos Estudantes (UNE) – especialmente na gestão de Aldo Arantes – com o CPC, Centro Popular de Cultura, que fico devendo para um próximo artigo.
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