sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Crônica de Carlos Roberto de Oliveira



EM DEFESA DO SENHOR E DA SUA MÃE.




João Pessoa estava em pé de guerra esportiva. Jogariam no domingo Botafogo e Treze, no Almeidão, estádio que ainda cheirava a novo. Eram esperados 40 mil torcedores, platéia hoje considerada excepcional para grandes clássicos do futebol brasileiro. Vivíamos o ano de 1975. Ernâni Sátyro governava a Paraíba e eu presidia a Rádio Tabajara.

A emissora oficial possuía a melhor equipe de esportes da cidade. Ivan Thomaz, Marcus Aurélio, Geraldo Cavalcanti, Ivan Bezerra, Eudes Toscano, Hitler Cantalice e muitos outros faziam, sob o comando do meu irmão Roberto Carlos, a cidade esperar, ansiosa, o duelo entre o “Galo da Borborema” e o “Belo Pessoense”. Nem mesmo a política, tema permanente nos papos do fervilhante Ponto de Cem Réis e nas cadeiras e janelas do Clube Cabo Branco, competia com os comentários, os prognósticos e as apostas que o encontro entre os rivais alvinegros gerava.

Comandávamos, eu e minha equipe, uma mudança radical na programação da Rádio Tabajara, com a implantação do estilo “música/informação” que antecipava, na Paraíba, o charme das emissoras de FM dos anos 80. A novidade já nos dera a liderança de audiência. Para alcançar esse estágio eu havia, inclusive, conseguido do governador a promessa de que ele reduziria, sensivelmente, o número das transmissões oficiais.

 A poucos dias do clássico Roberto e Ivan indagaram, com alguma insistência, o que faria eu se, por azar – diziam eles – Ernâni “inventasse” de inaugurar alguma obra na tarde do domingo e, suprema desgraça, quisesse a sua transmissão ao vivo. De tanto falarem nessa angustiante possibilidade, resolvi reunir a diretoria e, sem muita discussão, decidimos não atender à hipotética ordem governamental, mesmo que isso nos custasse os cargos.

O indesejado aconteceu. Nas últimas horas da tarde de sexta-feira que antecedia o jogo, recebi um ofício do Chefe da Casa Civil, Evaldo Gonçalves, recomendando “de ordem do Excelentíssimo Governador do Estado” transmitir a solenidade de inauguração de uma escola em Alagoa Nova, às 16 horas do “próximo domingo”, exatamente no horário em que trezeanos e botagoguenses mexeriam com a emoção e os nervos de mais de um milhão de paraibanos.

Entre perplexo e desafiado, convoquei meus auxiliares e, por unanimidade, resolvemos ignorar, parcialmente, a recomendação do governador. Mandaríamos um triste, porém conformado, Geraldo Cavalcanti, na época locutor oficial do governo, a bordo de um carro de som para simular a transmissão ao vivo da solenidade em Alagoa Nova. Achávamos que o governador e demais presentes pensariam que o evento estaria sendo irradiado. Uma gravação seria feita e divulgada, posteriormente, na programação da noite. Um plano perfeito. Entendíamos que, assim, conseguiríamos uma audiência fechada para a emissora, durante o jogo Botafogo x Treze.

E, como planejado, foi feito. A Tabajara deu um “banho” na concorrência, Geraldo caprichou na transmissão em Alagoa Nova, à noite o áudio gravado foi repetido à exaustão e todos nos consideramos senhores de, no mínimo, uma inteligência privilegiada. Sem dúvida, um domingo feliz!

Na segunda–feira, provavelmente para saborear o sucesso do dia anterior, madruguei na emissora. A secretária ainda não chegara e o telefone já estava tocando. Resolvi atender. Do outro lado da linha a voz tonitroante do governador Ernâni Sátyro. Tremi nas bases, antevendo uma baita reprimenda ou, o que pensei ser mais provável, a demissão coletiva da diretoria. “Meu filho, o diretor já chegou?”- indagou o governador. Hesitei por alguns segundos em responder, mas resolvi topar a parada no estilo “seja lá o que Deus quiser”. “É ele quem está falando”. - respondi. E então ele perguntou se eu havia recebido um oficio assinado pelo “amigo velho Evaldo Gonçalves”. Ouvindo a confirmação, passou a questionar por que não cumprira a sua ordem, agravando a desobediência com a simulação da transmissão ao vivo. “Grave, muito grave e desrespeitosa sua atitude, meu rapaz”. - sentenciou Ernâni Sátyro.

Antes que recebesse a minha demissão e a de meus companheiros de diretoria, cúmplices na mutreta em defesa da audiência da Tabajara, resolvi contra-atacar. E o fiz com surpreendente firmeza: “Governador, realmente recebi, na sexta-feira, o ofício da Casa Civil. Só que no domingo à tarde, exatamente na hora em que a escola seria inaugurada em Alagoa Nova, 40 mil torcedores estariam assistindo, no Almeidão, estádio que o senhor construiu, ao jogo entre Botafogo e Treze. Além disso, mais de 800 mil paraibanos sintonizariam a Rádio Tabajara para acompanhar a partida. Resolvi, então, em defesa do senhor e da sua mãe não interromper a transmissão do jogo para entrar com a inauguração de uma escola”.

Do outro lado da linha uma rápida e incisiva pergunta: “Pode repetir?”. Sem saber em que camisa de sete varas tinha me metido, repeti pausadamente tudo o que dissera. Depois de um silêncio de segundos, que pareceram minutos, a voz grave e alta do governador, desta vez suave (para mim) encheu os meus ouvidos de alegria e até de emoção: “Entendi, meu filho. Muito obrigado”.

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