sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Wender Montenegro no ônibus

DE UMBRAIS E CALHAS LIMPAS


Desde quando pendurei em cruz
esses versos vermelhos nos umbrais
os pássaros voltaram a gorjear manhãs,
gerânios floresceram no alpendre dos olhos,
sararam as fissuras das paredes
e na lisura da pele da casa
o peito renovou-se de abstratos.
Sonhos voltaram a habitar o ninho
na viga mais alta,
fantasmas povoaram outro porão
e as heras, mastigadas pelo sol,
no muro já caiado do presente,
quedaram em silêncio.
Das calhas limpas hoje escorre vida
e pelas frinchas da alma varrida,
escamas de feixes de luz!

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Os maravilhosos contos de Grimm


Por Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB

            É certo que com a passagem do tempo os contos sempre se renovam, mas é por isso mesmo que suas raízes devem ser muito antigas [...]. A base épica da poesia popular assemelha-se ao verde que se espalha por toda a natureza em múltiplas graduações, que satisfaz e aclama, sem nunca cansar.
            (Jacob e Wilhelm Grimm. Prefácio à edição original – “Contos maravilhosos infantis e domésticos”).

             Natal é tempo de presente.  Para crianças que gostam de ler e para adultos que guardam a infância do lado esquerdo do  peito vai esta sugestão: “Contos maravilhosos infantis e domésticos” (Tomo I e II. Cosac Naify, 2012).
            Os autores desses contos são os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm. A edição da Cosac Naify é especialíssima e não vai nenhum exagero no superlativo. Oitenta e seis contos estão presentes no Tomo I e setenta no Tomo II. J. Borges, conhecido xilógrafo pernambucano, foi o responsável pelas ilustrações. Os contos foram traduzidos por Christine Röhrig, que tem uma longa experiência na tradução de livros alemães. Marcus Mazzari fez a apresentação. Há de se destacar, ainda, o prefácio à edição original de Jacob e Wilhelm que foi incluído no Tomo I e traz as datas de 1810 e 1814.
             Discorrer sobre os cento e cinquenta e seis textos seria tarefa para um livro, assim preferimos trazer alguns detalhes dos contos dos irmãos Grimm com o objetivo de mostrar a importância que esses contos desempenham no cenário das letras.
            “Os contos maravilhosos infantis e domésticos” foram recolhidos da tradição oral alemã. Os irmãos Grimm se valeram também de uma camponesa da aldeia de Zwehrn, perto de Kassel, dotada de uma memória prodigiosa. Essa senhora contou velhas lendas aos pesquisadores que foram acrescentadas ao material já coletado.
            No prefácio à edição original, Jacob e Wilhelm Grimm reconhecem que muitas das histórias do livro deitam suas raízes em antigos poemas heroicos. “A bela adormecida” apresenta estreita ligação com “Brunhilde” dos nórdicos; “A lenda da pena dourada”, remete à lenda do rei Mark em Tristão.
 Quando publicaram os contos, era intenção dos Grimm  que tivessem um caráter educativo e fossem direcionados às crianças, mas encontraram certa resistência por parte de alguns educadores – foi levantada a objeção de que havia nos contos uma ou outra passagem constrangedora, imprópria e indecorosa para crianças. Ninguém se livra de velha censura! Os irmãos Grimm se defenderam da crítica injusta com exemplos retirados da natureza: “As flores e as folhas deixam-se crescer com determinadas cores e formas; a chuva e o orvalho caem como uma boa ação sobre tudo que se encontra na terra, quem não quiser expor suas plantas por achar que elas são sensíveis é bom regá-las na sala de estar.” Com essa lição, eles deram o recado aos educadores retrógrados.
            Os Grimm conheceram dezessete edições dos “Contos maravilhosos infantis e domésticos”. Mediante a intervenção, principalmente de Wilhelm Grimm, os contos das edições posteriores à de 1812 foram sendo atenuados no que se refere às passagens de cunho sexual mais explícito. Na edição de 1812, Rapunzel diz a fada que as suas roupas estão muito apertadas, referência ao estado de gravidez após ter recebido visitas secretas do príncipe. Na edição de 1819, Wilhelm Grimm substitui o indício de gravidez por uma tênue alusão, e Rapunzel explica  que está ficando cada vez mais difícil para ela puxar a fada para o aposento em que vive.  Felizmente a edição da Cosac Naify foi fiel à edição de 1812 e não houve nenhum tipo de censura. 
            Os contos mais conhecidos do público brasileiro se encontram no Tomo I e citamos, entre outros, “O lobo e os sete cabritinhos”, “Rapunzel”, “João e Maria”, “A gata borralheira”, “O alfaiate valente”, “O gato de botas”. “A bela adormecida”, “Barba Azul”.
            O crítico Marcus Mazzari observa que são incontáveis os narradores e poetas alemães que incorporaram às suas obras referências e alusões aos contos maravilhosos e cita Goethe, Thomas Mann, Günter Grass.  Para o crítico brasileiro, a presença dos Grimm se faz mais forte na obra épica de Günter Grass. No romance, “O tambor de lata”, Grass encontrou, no “Pequeno Polegar”, uma inspiração decisiva, fato confessado pelo próprio autor no livro publicado em 2010 – “Palavras de Grimm – Uma declaração de amor”.
            Não poderia deixar de citar escritores brasileiros que beberam água da fonte dos irmãos Grimm. Na literatura de cordel e na literatura infantil os exemplos são muitos. O cordelista Manoel Monteiro confessa que leu muito os contos de Grimm para escrever alguns folhetos.  Ricardo Azevedo e Ana Maria Machado fizeram releituras dos contos de Grimm, até os poetas foram contaminados pelo vírus desses contos maravilhosos. O poeta paraibano Jairo César se inspirou na história de Rapunzel para escrever o livro de poesias – “Rapunzel e outros poemas da infância”.
            Eliane Brum, colunista da revista Época, aconselha: se você viu um bom filme, diga: “Vejam”, se leu um bom livro, diga: “Leiam”. É o que fazemos: Leiam “Contos maravilhosos infantis e domésticos”             

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Curtas

Amanhã é dia de BPL - Bate Papo Literário. O evento faz parte das ações do PILE- Programa de incentivo à leitura na escola. O programa é desenvolvido no Gentil Lins, escola localizada na cidade de Sapé. O autor convidado é Lau Siqueira. Em breve, fotos.

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O Escritos no ônibus está chegando na visualização 60 mil. Quando atingirmos a meta, os passageiros vão ganhar um presente. Aguardem!

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sábado, 24 de novembro de 2012

crônica de Mabel Amorim


Como surge um rei



Só mesmo uma cidade chamada Três Corações poderia ser o berço de um atleta da grandeza de Pelé. Para quem teve o privilégio de acompanhar sua carreira no futebol brasileiro, um coração parecia pouco para viver momentos de intensa emoção e alegria, começando por ver um garoto de 17 anos chorando no ombro do jogador Didi após a vitória do Brasil contra a Suécia, na final da Copa de 1958.
O Brasil amargava as derrotas nas duas copas anteriores. Depois de um empate na partida anterior, o técnico brasileiro Vicente Feola substituiu Joel, Mazola e Dino Sani por Pelé, Garrincha e Zito: um menino, um anjo de pernas tortas e um guerreiro. Iniciava-se ali a história de um mito.
Naquele jogo a Seleção Canarinho vestia o uniforme azul e, talvez por ser essa a cor associada à realeza – uma alusão ao sangue azul – o jovem Pelé se sentiu bem à vontade para jogar diante de Gustavo VI, rei da Suécia. Tão à vontade que fez dois dos cinco gols que levaram o Brasil a vencer sua primeira Copa do Mundo.
Ao entregar a taça de campeão nas mãos de Bellini, capitão da Seleção Brasileira, Sua Majestade ainda não sabia que ali, naquele grupo, nascia para o mundo um novo monarca, cujo título não recebeu por herança, mas por consagração.
O Brasil começava a escrever seu nome no Campeonato Mundial, brilhava incandescente a primeira das cinco estrelas que viriam a compor o firmamento do futebol do nosso país. Pelé participou de mais duas dessas conquistas, registrando para a posteridade a trajetória de um atleta ímpar, brilhante.
Eleito “O Atleta do Século”, cidadão do mundo, reverenciado onde quer que vá, o homem Edison tornou-se o incomparável, insubstituível, inesquecível Rei Pelé. E como cada época tem suas peculiaridades que propiciam o surgimento de suas grandezas, o nome de Pelé segue eternizado, intrinsecamente ligado à história do esporte do século XX.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Cyelle Carmem no ônibus


TEU NOME



Teu nome
Santuário de terras estrangeiras
Tempo frio de trincar ossos.
Teu nome
é inaudível.
Nem poderia dizê-lo
Ouvi-lo
é anúncio de dias conturbados.
Sangue da minha dor
Teu nome é a cura
de doença não descoberta.
Longe de meus ouvidos
está sempre prestes a saltar da boca.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Papo de sábado com Sérgio de Castro Pinto


A edição de Novembro do “Papo de Sábado”, uma parceria da Livraria do Luiz com o CAIXA BAIXA, terá a participação do escritor Sérgio de Castro Pinto. O evento acontece sempre no segundo sábado de cada mês, mas, excepcionalmente, esta edição será realizada no último sábado de novembro. O “Papo de Sábado” é uma reunião de amantes da Literatura onde o principal objetivo é conversar, entre um café e outro, sobre a vida e a obra de algum autor convidado, assim como sobre a Literatura de um modo geral.
A participação é aberta a todos, e tem o formato informal de um bate-papo entre amigos. Até o presente momento, já participaram do papo os escritores Roberto Menezes, Janailson Macedo, Wander Shirukaya, André Ricardo Aguiar e Lau Siqueira.
O Convidado:

Considerado um dos poetas brasileiros mais importantes do século XX, Sérgio de Castro Pinto nasceu na Paraíba em 1947, onde ainda reside e trabalha como professor da Universidade Federal da Paraíba. Imortal da Academia Paraibana de Letras, ocupa a cadeira de número 39, cujo patrono é o escritor José Lins do Rêgo. Publicou os livros de poesia: Gestos lúcidos (1967), A ilha na ostra (1970), Domicílio em trânsito e outros poemas (1983),  O cerco da memória (1993), A quatro mãos (1996) e Zôo imaginário (2005), além de ter participado de muitas antologias e também ser autor de vários ensaios. 

Serviço:
O que: Papo de Sábado
Onde: Livraria do Luiz – Galeria Augusto dos Anjos, centro de João Pessoa
Horas: 10h
Quanto: Gratuito
quando: sábado, dia 24 de novembro
Contato: Roberto Denser – fone: (83) 8640-8903

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Mia Couto: ativismo político também é feito com literatura



Por João Novaes, do Operamundi

Sob a laje de um sobrado no Jardim São Luís, bairro de periferia na zona Sul de São Paulo, mais de cem pessoas se acomodavam para escutar atentamente e com confesso deslumbramento uma palestra informal do poeta, biólogo e jornalista moçambicano Mia Couto, autor de obras como “Terra Sonâmbula” (Cia. Das Letras, 1992 (1ª ed.), 208 pgs.), de passagem pelo Brasil para a divulgação de seu mais recente livro, “A Confissão da Leoa” (Cia das Letras, 2012, 256 pgs.).
Em meio aos populares do Bar do Zé Batidão, onde ainda participou de um sarau organizado pelo coletivo Cooperifa, na 
última quarta-feira (07/11), Mia parecia mais à vontade do que no dia anterior, quando conversou amigavelmente com um público mais elitizado, em uma sala de cinema do Conjunto Nacional, localizado nos Jardins, bairro ‘nobre’ da zona oeste. Nas duas ocasiões, conversou com a reportagem de Opera Mundi.

O perfil pacato e conciliador do escritor não esconde uma vida marcada pela militância, que começou nos anos 1970, quando participou da luta pela independência de Moçambique, quando se juntou à Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). Hoje, desencantado, não participa mais da vida político-partidária do país (promete nunca mais voltar a se envolver com partidos), mas o ativismo está presente em suas atividades como jornalista, biólogo (dirige uma empresa de estudos sobre impactos ambientais) e, sem dúvida, em suas obras.
Ativismo político
“Política é um assunto tão sério que não pode ser deixado só nas mãos dos políticos. Temos de reinventar uma maneira de fazer política, porque isso afeta a nós todos. Faço isso pela via da escrita, da literatura, já que me mantenho jornalista e colaboro com jornais. Também faço intervenções como visitar bairros pobres onde as pessoas não recebem meu tipo de mensagem. Essa é a minha militância”, explica.

Atualmente, afirma manter uma distância crítica do governo, controlado pela Frelimo desde a independência, em 1975. Para ele, a proximidade entre o discurso e a prática do partido se distanciaram, mas afirma não haver ressentimento ou sensação de traição, pois considera que esse fenômeno se reproduz em todo o mundo. Ao contrário, se diz grato por seu tempo de militância partidária. “Fazer política hoje exige grande criatividade, temos de saltar fora de modelos, mas o modelo de fazer política faliu. Em todo o lado do mundo. Então é preciso reinventar, ter imaginação. Para ter imaginação é preciso sair fora dos padrões que vemos”.
Nascido António Emílio Leite Couto, filho de um casal de portugueses que já viviam há muitos anos no país africano, Mia cresceu em uma casa colonial na Beira, terceira maior cidade de Moçambique, em um meio rural e próximo do ambiente místico encontrado em algumas de suas histórias.
Na juventude, já morando em Maputo (na época colonial chamada de Lourenço Marques) e começando a ganhar destaque por seus poemas, decidiu estudar medicina. Por diretrizes da luta revolucionária, foi escalado como jornalista na Tribuna, publicando matérias favoráveis à independência – até o jornal ter sido incendiado por colonos portugueses. Lembra que nunca pegou em armas durante a luta pela independência, pois, embora os brancos fossem bem-vindos no movimento, não eram autorizados a atuar como guerrilheiros, mas no serviço clandestino.
Em suas histórias de luta pela independência, Mia lembra de como se alistou clandestinamente na Frelimo. “Havia na época um ritual chamado ‘confissão de sofrimento’, onde cada pessoa para ser aceita contava sua história de vida e todos os fatos que o colonialismo os fez sofrer. Ouvi cada história e me assustava, porque não tinha sofrido tanto quanto eles. Temia que teria de inventar uma história muito sofrida para ser aceito. Quando chegou minha vez de falar, me perguntaram: ‘É você que escreve poesias?’ e respondi que sim. Daí me disseram: ‘Então tudo bem, você pode entrar’”, conta, sempre provocando risos.
Atuação ambiental
Sobre seu trabalho com estudos de impacto ambiental, Mia é mais um entre os muitos ativistas moçambicanos a relatar a dificuldade para se encontrar um equilíbrio entre o ativismo nessa área e a agenda desenvolvimentista. Perguntado sobre os problemas que as grandes obras, principalmente relacionadas à mineração, têm causado às populações e ao meio ambiente, ele afirma que o principal problema se encontra na aplicação das leis.

“Moçambique tem uma grande fragilidade institucional que é seguir o que está na lei. O país tem leis, mas não a capacidade para acompanhamento e controle. Isso tem de ser resolvido. Por outro lado, é preciso prestar atenção, pois Moçambique está em uma armadilha grande: entre ficar como está e aceitar aquilo que vem [de fora], o que nem sempre é o melhor. O país lutou muito para atrair investimentos, para que sua imagem criasse simpatia com o grande capital. (…) Deve-se lembrar que a miséria também é um problema ambiental. [Não se pode] deixar os países como Moçambique como estão, como se estivessem bem, quando na verdade eles não estão [Mia criticou em outras ocasiões, assim como  neste caso, a corrente que defende que a África deveria permanecer um ‘continente selvagem’]. A miséria gera problemas enormes em Moçambique, tão insustentáveis quanto aos atribuídos à indústria, que muitas vezes é cega”. Para ele, o meio termo deste conflito só pode ser alcançado com o diálogo.
Engajamento poético
Entre tantos trabalhos e engajamentos, Mia considera que sua atividade mais importante é dar conselhos e orientações aos jovens moçambicanos que o procuram e manifestam seu desejo de se tornarem poetas. “A condição para o poeta não é que ele escreva bem, mas que tenha uma história a ser contada. A falta de domínio da técnica não deve ser um impedimento para continuar, não deve ser a morte do sonho”, afirma, lamentando que um dos locais onde mais se procure desencorajar essa iniciativa sejam justamente as escolas.

Foi muito aplaudido quando disse essa frase na Cooperifa, já que estava cercado de um público que, por muitas vezes, vê o seu direito a produção intelectual ser alvo de preconceito. “Acredita-se que a periferia pode dar jogador, cantor, dançarino, mas poeta? No sentido de que o poeta não produz só uma arte, mas pensamento…Acho que o grande racismo, a grande maneira de excluir o outro, é dizer que o outro pode produzir o que quiser, até o bonito, mas pensamento próprio, não. E vi aqui que havia um pensamento que está muito vivo e está fazendo acontecer coisas”.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

ABC de José Lins do Rego



Por Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB


As leis que regem a linguagem, quando se cristalizam e fecham em intransigências radicais, aniquilam a expressão e desmantelam o ritmo.
(José Lins do Rego. Discurso de posse na ABL, 1957).

A editora José Olympio, hoje pertencente ao grupo Record, tem uma história digna de registro no cenário das letras brasileiras. O livreiro e editor José Olympio foi o responsável pela edição e divulgação de muitos escritores nordestinos. Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Luís Jardim, nos anos 30 e 40 do século XX, integram o quadro de escritores da casa.   Gilberto Freyre dizia que José Olympio reunia em torno de si três dimensões – humana, cultural e editorial. Os anos se passaram, o livreiro/editor já não pertence ao mundo dos vivos, a editora sofreu revezes, mas o nome permanece bem vivo.
Atualmente, a editora José Olympio pertence ao grupo da Record.  Com o objetivo de divulgação escolar, os grandes escritores da antiga casa são apresentados de forma bem didática nos livros que trazem o título de ABC. Já tivemos o “ABC de Rachel de Queiroz”, “ABC de José Cândido de Carvalho”, aparece agora “ABC de José Lins do Rego” (Rio de Janeiro: José Olympio, 2012), texto de Bernardo Borges Buarque de Hollanda. O professor Damião Ramos Cavalcanti, conterrâneo de José Lins do Rego, foi o primeiro a dar a notícia sobre este livro que recebemos recentemente e passamos a tecer algumas considerações.
O ABC é um poema típico da literatura de cordel nordestina, composto de estrofes que se iniciam sucessivamente pelas letras do alfabeto, de A a Z. “ABC de José Lins do Rego” apresenta um resumo da vida e da obra do escritor paraibano com discussões de alguns temas pertinentes à obra deste escritor. Nas palavras de Bernardo Borges Buarque de Hollanda, é “uma porta de entrada para ajudar o leitor iniciante”.   
Bernardo Borges Buarque de Hollanda fez pós-doutorado em Paris, no ano de 2009, na Maison des Sciences de l´Homme e na Bibliothèque Nationalle de France e redigiu parte deste livro em Paris, a outra parte foi feita no Brasil e contou com a valiosa colaboração das filhas de José Lins do Rego e do poeta Thiago de Melo, amigo fraternal de Zé Lins.
Como ocorre com esta modalidade da poesia popular – ABC, vamos encontrar os verbetes agrupados de acordo com as letras do alfabeto, assim destacamos: A – Açúcar: E – Escola do Recife, F- Fogo Morto, G – Gilberto Freyre, J – José Olympio, M – Memória e Imaginação, Estes são alguns exemplos deste rico e vasto material sobre o escritor do “ciclo da cana-de-açúcar”. É sobre os verbetes citados que deitamos nosso olhar.
A – Açúcar. Para este verbete, o ensaísta Bernardo Buarque de Hollanda discorre sobre a origem do escritor José Lins do Rego, sua vivência no Engenho Corredor, a família, a ascensão e queda dos engenhos da várzea do rio Paraíba.  
E – Escola de Recife. A cidade de Recife é retratada, neste livro, a partir do ano 1916, época em que José Lins do Rego foi estudar naquela cidade a fim de concluir o ensino médio e se preparar para cursar a Faculdade de Direito. Bernardo Buarque de Hollanda traça um panorama histórico/político do período que compreende os anos da 1ª. Grande Guerra Mundial (1914/1918).
  F- Fogo Morto. Este romance é considerado pela crítica como a sua obra-prima. “O cenário de decomposição impregnaria boa parte das lembranças de José Lins, associando em sua memória a ruína das antigas unidades de produção de açúcar”. ( 2012,p.65). “Fogo Morto” representa a desfiguração de toda uma paisagem social do Nordeste.
G – Gilberto Freyre. A amizade de José Lins com Gilberto Freyre começou em 1923, no Café Continental, em Recife. Este local era ponto de encontro entre os políticos, jornalistas, escritores. Nas palavras do escritor paraibano, a amizade com o sociólogo pernambucano modificou inteiramente sua vida: “Para mim, teve começo naquela tarde de nosso encontro a minha existência literária. E a minha aprendizagem com o mestre da minha idade se iniciava sem que eu sentisse as lições.” (2012, p.79. Extraído do livro Gordos e Magros).
J – José Olympio. Mais do que um editor, José Olympio foi o responsável pela publicação de livros de autores nordestinos, entre eles José Lins do Rego. E vem uma informação interessante no que se refere à denominação “ciclo da cana-de-açúcar”. O nome de ciclo para os romances canavieiros  de José Lins foi uma sugestão da mulher de José Olympio, Vera Pacheco Jordão Pereira, uma estratégia que induzia para compra conjunta dos livros.   
M – Memória e Imaginação. Por sugestão de Gilberto Freyre, José Lins se tornou leitor de Marcel Proust. O escritor francês se apropriou da memória de maneira inovadora e descreveu suas recordações nos sete romances de teor memorialista – “Em busca do tempo perdido”. O livro “Menino de Engenho” e os outros romances canavieiros de Zé Lins apresentam várias características proustianas.
 É a sugestão que deixamos para os leitores. Vamos reler os livros de Zé Lins, tendo como companhia o “ABC de José Lins do Rego”. 


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

CORREDOR DA LEITURA em Sapé

O projeto CORREDOR DA LEITURA está de volta. Dia 14 de dezembro será revitalizado na cidade onde nasceu o poeta Augusto dos Anjos, com um sarau em homenagem ao poeta. O CORREDOR DA LEITURA será instalado no Centro Social Urbano Augusto dos Anjos.
Para quem não conhece, o projeto é extremamente simples. Trabalha sem custos e sem lucros. Os livros ficam disponíveis para empréstimo, trocas ou doações. Nao existe controle algum. Na busca de desenvolver um projeto de incentivo à leitura e acesso ao livro, nosso objetivo é exatamente perder o controle...
Sapé ficou conhecida também pela resistência política das Ligas Camponesas. Município onde foi barbaramente assassinado o líder das Ligas, João Pedro Teixeira.
Quem tiver livros, de qualquer lugar do país, pode enviar que estaremos disponibilizando. O projeto se desenvolverá também em outros municípios...
O projeto CORREDOR DA LEITURA está de volta. Dia 14 de dezembro será revitalizado na cidade onde nasceu o poeta Augusto dos Anjos, com um sarau em homenagem ao poeta. O CORREDOR DA LEITURA será instalado no Centro Social Urbano Augusto dos Anjos.
Para quem não conhece, o projeto é extremamente simples. Trabalha sem custos e sem lucros. Os livros ficam disponíveis para empréstimo, trocas ou doações. Nao existe controle algum. Na busca de desenvolver um projeto de incentivo à leitura e acesso ao livro, nosso objetivo é exatamente perder o controle...
Sapé ficou conhecida também pela resistência política das Ligas Camponesas. Município onde foi barbaramente assassinado o líder das Ligas, João Pedro Teixeira.
Quem tiver livros, de qualquer lugar do país, pode enviar que estaremos disponibilizando. O projeto se desenvolverá também em outros municípios...

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Poesia não é coisa de criança


"Por que motivo as crianças de modo geral são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será que a poesia é um estado de infância relacionado com a necessidade de jogo, a ausência do conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos do viver – estado de pureza da mente, em suma? Acho que é um pouco de tudo isso, e mais do que isso, pois já encontra expressão cândida na meninice, pode expandir-se pelo tempo afora conciliada com a experiência, o senso crítico, a consciência estética dos que compõem ou absorvem a poesia."

Carlos Drummond de Andrade
 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O bom exemplo de Sapé


Por Lau Siqueira

Temos defendido permanentemente o incentivo à leitura nos mais diversos espaços. Logicamente que no caso das escolas públicas esta defesa se torna mais aguda. Afinal, não é por acaso que a escola brasileira com  maior IDEB (8,6) localizada em Itaú de Minas, tem como uma das suas diretrizes pedagógicas o incentivo à leitura. Este é um contraponto às muitas escolas que sequer abrem suas bibliotecas aos alunos.  Parece que algumas gestões escolares não sabem o que fazer com os livros. Clássicos da literatura atravessam o ano letivo, empoeirados e muitas vezes ainda encaixotados.  Todavia, os bons exemplos também existem.
Chamou-nos a atenção o projeto que vem sendo desenvolvido pela Escola Estadual Gentil Lins, na terra do poeta Augusto dos Anjos. Falamos do PILE – Programa de Incentivo à Leitura na Escola. Um programa focado, objetivo e que seduz o aluno através de um contato direto com autores contemporâneos da Paraíba. Esta iniciativa tem estabelecido bons laços entre a Escola, o aluno e a comunidade. Uma ação que o Conselho Escolar da Gentil Lins traz como exemplo para outras escolas. Principalmente escolas públicas estaduais ou municipais.  Trata-se de uma política pública construída a partir da base. Uma proposta nascida dos professores e da direção da escola, com forte envolvimento dos alunos e alunas. Sinceramente, acreditamos que esta Escola não passará impune por este processo e os resultados deverão ser sentidos mais rápido que se imagina.
O projeto de Sapé é inovador, propositivo e estabelece um modo solidário de pensar a Escola Pública, com o objetivo evidente de elevar o nível do ensino e consolidar uma formação intelectual e cidadã para a juventude paraibana.  O Programa de Incentivo à Leitura na Escola foi inspirado no movimento “Por Um Brasil Literário, deflagrado em junho de 2009 pelo escritor Bartolomeu de Queiroz e que compreende oficinas de leitura, montagem de uma biblioteca, rodas de leitura, eventos literários, publicação de obras escritas por integrantes da comunidade, entre outras ações.
Nada, entretanto, acontece sem algum tipo de risco.  No  caso, além de correr o risco de elevar a nota no IDEB (Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico), também  há o grave perigo de diminuirmos de forma drástica as possibilidades de analfabetismo funcional.  Portanto, somente esse temor pode justificar o desinteresse que sentimos em muitas das Escolas, públicas ou privadas, onde os professores não perceberam ainda que somente eles podem fazer a diferença. O  bom exemplo que nos chega de Sapé, mostra que a melhoria da qualidade do ensino depende muito mais da atitude da comunidade escolar que das decisões do Ministério da Educação.

Fonte: Jornal da Paraíba 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

POESIA NA SALA DE AULA: A HUMANIZAÇÃO DO MISTÉRIO


Por Neide Medeiros Santos – Crítica literária – FNLIJ/PB

Os pássaros são sábios.
Não discutem: cantam.
Cantar é  o jeito mais puro de entender
a vida
( Daniel Lima. Poemas)

Vivemos em um mundo de apressados e a poesia desponta como o momento da descontração, da calma, do fazer pensar. O texto poético apresenta o ambíguo, o sugerido, a multiplicidade de imagens e algumas vezes o sem sentido, mas são esses fatores que dão beleza e tornam o poema mais instigante.
O poema, elaborado esteticamente, é obra de arte que se caracteriza pela plurissignificação de linguagem, pela originalidade. Marcado por uma linguagem conotativa, possibilita vários níveis de leitura, diferentes modos de ler.
Alguns professores afirmam que as crianças não gostam de poesia e lançamos uma pergunta: será que as crianças não gostam de poesia ou a culpa é dos adultos? Para responder a essa pergunta, recorremos ao poeta Carlos Drummond de Andrade (1986:55) que, no artigo “A educação do ser poético”, reconhece o lado menineiro da poesia, depois abandonado pelo adulto e questiona:
Por que motivo as crianças de modo geral são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será que a poesia é um estado de infância relacionado com a necessidade de jogo, a ausência do conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos do viver – estado de pureza da mente, em suma? Acho que é um pouco de tudo isso, e mais do que isso, pois já encontra expressão cândida na meninice, pode expandir-se pelo tempo afora conciliada com a experiência, o senso crítico, a consciência estética dos que compõem ou absorvem a poesia.
Drummond admite que as crianças gostam de poesia, e podemos comprovar essa assertiva quando observamos nas escolas, entre os alunos menores, o interesse e o desejo de participar de atividades poéticas, recitar quadrinhas, parlendas, escrever poemas e sobre tudo decorar pequenos poemas com rimas. A rima e o ritmo poético são elementos que atraem as crianças. O jogo com as palavras, as brincadeiras rimadas, adivinhações, as cantigas de roda, tudo é motivo de satisfação para a criança.
Para compreender melhor o mistério que se chama poesia, remetemos a um texto do poeta Elias José – “A importância da poesia” que apresenta seis funções inerentes à poesia: cognitiva, social, política, ideológica, catártica, estética, pragmática ou didática.
A função cognitiva é a do conhecimento, compreende o processo mental da percepção. As funções sociais, políticas e ideológicas devem retratar, de modo implícito, os dramas sociais. Quando explícita, perde o seu valor estético. A função catártica nos leva ao mais íntimo do nosso ser, é o momento da empatia com o texto, da projeção do eu lírico. O lúdico poético se faz presente através dos estratos ópticos, fônicos, do brincar com as palavras. Devemos ter muito cuidado com a função pragmática ou didática para que o poema não se torne panfletário nem tampouco seja utilizado apenas com fins didáticos.
O leitor/professor poderá refletir sobre cada uma dessas funções e certamente irá concluir que a poesia é também uma forma de humanização, deve ser cultivada em casa, na escola, na biblioteca.
   Em 2012, recebemos vários livros de poesia que apresentam características elencadas por Elias José e citamos: “Alfabeto com afeto”, de Dilan Camargo, uma publicação da Edelbra. Neste livro, o lúdico é a tônica mais constante. ‘Poetrix”, de José de Castro, editora Dimensão. Poetrix é uma modalidade poética, criada pelo poeta Goulart Gomes. São poemas curtinhos como haicais que levam o leitor à reflexão. Aqui desponta a função cognitiva. ‘Brinquedos cantados”, de Mônica  Simas e Vera Lúcia Dias, publicado pela editora Callis, é o resgate de cantigas de roda que embalaram muitas crianças do século XX nas ruas das cidades do interior do Brasil. O livro vem acompanhado de um CD, contém  partituras  de cada canção. Novamente estamos diante do lúdico poético
Por fim, vale lembrar, mais uma vez, o poeta Carlos Drummond de Andrade:
“O que eu pediria à escola,  se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o  fundo mágico, lúdico , intuitivo e criativo que se identifica basicamente com a sensibilidade poética.
NOTAS: As observações de Carlos Drummond de Andrade foram colhidas no texto  “Arte e Educação” 3 (15): 16out,1974.
O texto de Elias José se encontra no catálogo Infantil e Juvenil da  Editora Paulus. 2001,p.9


















segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Projeto Trilhas proporciona acesso à literatura infantil



Uma educação de qualidade pode transformar o país.
Essa é a nossa crença.


O Projeto Trilhas, é composto por diferentes materiais, de uso do professor e dos alunos, que visam criar oportunidades para que crianças em processo de alfabetização tenham maior acesso à literatura infantil e, consequentemente à cultura escrita.

Em 2012 chegará a aproximadamente 2000 municípios, cerca de 72 mil escolas, impactando mais de 3 milhões de alunos.

Esta iniciativa só foi possível graças às Consultoras e Consultores Natura que vendem, sem obter lucro, os produtos da Linha Natura Crer para Ver. Os recursos arrecadados, viabilizam o apoio e o desenvolvimento, via Instituto Natura, iniciativas voltadas para melhoria da qualidade da Educação Pública do Brasil.

O projeto ainda conta com o apoio de uma Rede de Ancoragem que pretende auxiliar implementação do projeto, incentivar o uso dos materiais em sala de aula e apoiar a formação de professores nas escolas públicas brasileiras

mais informação sobre o projeto, visite o http://www.portaltrilhas.org.br/PortalTrilhas.html

sábado, 10 de novembro de 2012

Concurso de Poesia Augusto dos Anjos terá apresentações teatrais em praça pública



 
A 21ª edição do Concurso Nacional de Poesia Augusto dos Anjos, que começa na próxima semana, na segunda-feira, 12, contará também com apresentações de espetáculos teatrais em praça pública, com o objetivo de ampliar o número de beneficiados com o projeto de incentivo à leitura.

 
A Secretária de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo e também organizadora do Concurso de Poesia, Rosângela Lima, afirma que a marca principal do Concurso deste ano será a pluralidade de ações artísticas que serão oferecidas e que contará com um pocket show, além das declamações de poesia, já feitas no ano passado e que continuam neste ano, e das apresentações teatrais.

Serão apresentadas quatro peças teatrais, duas apresentações do espetáculo “Me dá um minuto?”, na segunda-feira, 12, às 10h e 15h, do ator Marco Andrade, do Rio de Janeiro, na terça, 13, às 15h, o espetáculo “Caixinha Poética”, com a atriz Nancy Macedo, também do Rio de Janeiro, e duas com a Companhia de Teatro de Bolso, de Ponte Nova, na quarta-feira, 14, com as peças “Sossego, o rato que queria ser morcego”, às 10h, e “A trupe da alegria no reino dos cafundós”, às 15h, as apresentações acontecerão na Praça Félix Martins e no Museu Espaço dos Anjos .  

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Manoel de Barros para crianças






Apresentamos o projeto Crianceiras - Poesias de Manoel de Barros musicadas por Marcio De Camillo para o público infantil.

Saiba mais no Site: www.crianceiras.com.br
 

Crônica de Carlos Roberto de Oliveira



EM DEFESA DO SENHOR E DA SUA MÃE.




João Pessoa estava em pé de guerra esportiva. Jogariam no domingo Botafogo e Treze, no Almeidão, estádio que ainda cheirava a novo. Eram esperados 40 mil torcedores, platéia hoje considerada excepcional para grandes clássicos do futebol brasileiro. Vivíamos o ano de 1975. Ernâni Sátyro governava a Paraíba e eu presidia a Rádio Tabajara.

A emissora oficial possuía a melhor equipe de esportes da cidade. Ivan Thomaz, Marcus Aurélio, Geraldo Cavalcanti, Ivan Bezerra, Eudes Toscano, Hitler Cantalice e muitos outros faziam, sob o comando do meu irmão Roberto Carlos, a cidade esperar, ansiosa, o duelo entre o “Galo da Borborema” e o “Belo Pessoense”. Nem mesmo a política, tema permanente nos papos do fervilhante Ponto de Cem Réis e nas cadeiras e janelas do Clube Cabo Branco, competia com os comentários, os prognósticos e as apostas que o encontro entre os rivais alvinegros gerava.

Comandávamos, eu e minha equipe, uma mudança radical na programação da Rádio Tabajara, com a implantação do estilo “música/informação” que antecipava, na Paraíba, o charme das emissoras de FM dos anos 80. A novidade já nos dera a liderança de audiência. Para alcançar esse estágio eu havia, inclusive, conseguido do governador a promessa de que ele reduziria, sensivelmente, o número das transmissões oficiais.

 A poucos dias do clássico Roberto e Ivan indagaram, com alguma insistência, o que faria eu se, por azar – diziam eles – Ernâni “inventasse” de inaugurar alguma obra na tarde do domingo e, suprema desgraça, quisesse a sua transmissão ao vivo. De tanto falarem nessa angustiante possibilidade, resolvi reunir a diretoria e, sem muita discussão, decidimos não atender à hipotética ordem governamental, mesmo que isso nos custasse os cargos.

O indesejado aconteceu. Nas últimas horas da tarde de sexta-feira que antecedia o jogo, recebi um ofício do Chefe da Casa Civil, Evaldo Gonçalves, recomendando “de ordem do Excelentíssimo Governador do Estado” transmitir a solenidade de inauguração de uma escola em Alagoa Nova, às 16 horas do “próximo domingo”, exatamente no horário em que trezeanos e botagoguenses mexeriam com a emoção e os nervos de mais de um milhão de paraibanos.

Entre perplexo e desafiado, convoquei meus auxiliares e, por unanimidade, resolvemos ignorar, parcialmente, a recomendação do governador. Mandaríamos um triste, porém conformado, Geraldo Cavalcanti, na época locutor oficial do governo, a bordo de um carro de som para simular a transmissão ao vivo da solenidade em Alagoa Nova. Achávamos que o governador e demais presentes pensariam que o evento estaria sendo irradiado. Uma gravação seria feita e divulgada, posteriormente, na programação da noite. Um plano perfeito. Entendíamos que, assim, conseguiríamos uma audiência fechada para a emissora, durante o jogo Botafogo x Treze.

E, como planejado, foi feito. A Tabajara deu um “banho” na concorrência, Geraldo caprichou na transmissão em Alagoa Nova, à noite o áudio gravado foi repetido à exaustão e todos nos consideramos senhores de, no mínimo, uma inteligência privilegiada. Sem dúvida, um domingo feliz!

Na segunda–feira, provavelmente para saborear o sucesso do dia anterior, madruguei na emissora. A secretária ainda não chegara e o telefone já estava tocando. Resolvi atender. Do outro lado da linha a voz tonitroante do governador Ernâni Sátyro. Tremi nas bases, antevendo uma baita reprimenda ou, o que pensei ser mais provável, a demissão coletiva da diretoria. “Meu filho, o diretor já chegou?”- indagou o governador. Hesitei por alguns segundos em responder, mas resolvi topar a parada no estilo “seja lá o que Deus quiser”. “É ele quem está falando”. - respondi. E então ele perguntou se eu havia recebido um oficio assinado pelo “amigo velho Evaldo Gonçalves”. Ouvindo a confirmação, passou a questionar por que não cumprira a sua ordem, agravando a desobediência com a simulação da transmissão ao vivo. “Grave, muito grave e desrespeitosa sua atitude, meu rapaz”. - sentenciou Ernâni Sátyro.

Antes que recebesse a minha demissão e a de meus companheiros de diretoria, cúmplices na mutreta em defesa da audiência da Tabajara, resolvi contra-atacar. E o fiz com surpreendente firmeza: “Governador, realmente recebi, na sexta-feira, o ofício da Casa Civil. Só que no domingo à tarde, exatamente na hora em que a escola seria inaugurada em Alagoa Nova, 40 mil torcedores estariam assistindo, no Almeidão, estádio que o senhor construiu, ao jogo entre Botafogo e Treze. Além disso, mais de 800 mil paraibanos sintonizariam a Rádio Tabajara para acompanhar a partida. Resolvi, então, em defesa do senhor e da sua mãe não interromper a transmissão do jogo para entrar com a inauguração de uma escola”.

Do outro lado da linha uma rápida e incisiva pergunta: “Pode repetir?”. Sem saber em que camisa de sete varas tinha me metido, repeti pausadamente tudo o que dissera. Depois de um silêncio de segundos, que pareceram minutos, a voz grave e alta do governador, desta vez suave (para mim) encheu os meus ouvidos de alegria e até de emoção: “Entendi, meu filho. Muito obrigado”.