Mabel Amorim
As passagens da vida
A vida tem suas fases. Muito embora a ciência tente medir em anos quando se finda ou se inicia cada uma delas, a passagem de uma para outra não se faz assim, automaticamente ao se completar uma nova idade. A maneira como percebemos isso às vezes é bem sutil, como uma chuva fina que se incorpora suavemente às águas de um rio até dele fazer parte. Outras vezes surge subitamente como num despertar, abre-se os olhos e tem-se uma surpresa: olha aí, a vida sob uma nova roupagem.
Há cerca de duas semanas eu procurava algum brinquedo para divertir Gabriela, minha filha de 8 anos, que tem síndrome de Down. Há um ano ela vem intensificando as brincadeiras de casinha, com panelinhas, bonecas e demais utensílios plásticos. É um processo interessante e gratificante de se observar e participar, visto que seu aprendizado é mais devagar. Eu costumo dizer que observar os progressos cognitivos de Gabriela é como assistir a um filme em câmara lenta, onde você pode ver os detalhes de como foram feitas as melhores cenas.
Ela já estava um pouco entediada com os mesmos brinquedos, então eu fui ao quarto de Rafaela, minha filha de 13 anos, e procurei algo que pudesse distrair a pequena. Encontrei alguns jogos, muitos livros e algumas caixas. Ao mexer nessas, encontrei algumas bonecas que eram a paixão de Rafaela até bem pouco tempo. Uma pequena coleção com roupas, sapatos, chapéus, acessórios, tudo minúsculo, que ela guardava com todo cuidado após brincar. “Gabi vai adorar”, logo pensei para depois lembrar que aquilo era algo que Rafaela tinha como precioso e que remetia a momentos muito recentes.
Resolvi, então, pedir-lhe para que Gabi pudesse brincar com elas, não sem um pouco de temor de que ela não gostasse da idéia, afinal, eram suas lembranças. Para minha surpresa, ela sorriu ante a sugestão e não só concordou como tomou a caixa com suas relíquias nas mãos, foi até a sala e começou a apresentá-las a Gabi, que, encantada, recebia com gritinhos de alegria aquele presente.
Foi aí que eu percebi que Rafaela havia atravessado, de fato, a ponte para a adolescência plena. Apesar dela já não mais brincar com bonecas, de já usar um pouco de maquiagem, de ir ao shopping com grupos de amigas, de ter seus ídolos jovens, apesar de todos esses sinais, eu ainda não havia me convencido totalmente. O momento em que ela desfez-se materialmente de seus brinquedos preferidos revelou-me sua maturidade, seu crescimento em direção ao universo que a aguarda. A mudança já vinha ocorrendo como a chuva no rio, mas o despertar ocorreu ali.
A infância ficou para trás, assim como os brinquedos. A nova fase surge na sua vida trazendo-lhes novos horizontes, dúvidas, questionamentos, alegrias e decepções. E entre dores e amores, hormônios e humores, ela crescerá, aprendendo a guardar o que é bom e descartar o que lhe faz mal e aperfeiçoando a capacidade sensitiva de discernir entre um e outro.
Mas ela também aprenderá a voltar à infância sempre que sentar-se no chão para brincar com Gabi, quando fingir tomar um café de mentirinha que ela sabe preparar tão bem, quando aconchegar-se no colo dessa sua mãe sempre que quiser carinho. Ela aprenderá que a vida é generosa e não nos impede de viajar por entre suas fases, buscando alegrias, relembrando momentos, refazendo pontes. Ela aprenderá que a vida é muito mais que um contar de anos passados, na verdade a vida é uma sequência infinita de lições que nos impulsiona para frente e para o alto e que não importa a idade que se tenha, sempre haverá algo para aprender e para partilhar.
Há cerca de duas semanas eu procurava algum brinquedo para divertir Gabriela, minha filha de 8 anos, que tem síndrome de Down. Há um ano ela vem intensificando as brincadeiras de casinha, com panelinhas, bonecas e demais utensílios plásticos. É um processo interessante e gratificante de se observar e participar, visto que seu aprendizado é mais devagar. Eu costumo dizer que observar os progressos cognitivos de Gabriela é como assistir a um filme em câmara lenta, onde você pode ver os detalhes de como foram feitas as melhores cenas.
Ela já estava um pouco entediada com os mesmos brinquedos, então eu fui ao quarto de Rafaela, minha filha de 13 anos, e procurei algo que pudesse distrair a pequena. Encontrei alguns jogos, muitos livros e algumas caixas. Ao mexer nessas, encontrei algumas bonecas que eram a paixão de Rafaela até bem pouco tempo. Uma pequena coleção com roupas, sapatos, chapéus, acessórios, tudo minúsculo, que ela guardava com todo cuidado após brincar. “Gabi vai adorar”, logo pensei para depois lembrar que aquilo era algo que Rafaela tinha como precioso e que remetia a momentos muito recentes.
Resolvi, então, pedir-lhe para que Gabi pudesse brincar com elas, não sem um pouco de temor de que ela não gostasse da idéia, afinal, eram suas lembranças. Para minha surpresa, ela sorriu ante a sugestão e não só concordou como tomou a caixa com suas relíquias nas mãos, foi até a sala e começou a apresentá-las a Gabi, que, encantada, recebia com gritinhos de alegria aquele presente.
Foi aí que eu percebi que Rafaela havia atravessado, de fato, a ponte para a adolescência plena. Apesar dela já não mais brincar com bonecas, de já usar um pouco de maquiagem, de ir ao shopping com grupos de amigas, de ter seus ídolos jovens, apesar de todos esses sinais, eu ainda não havia me convencido totalmente. O momento em que ela desfez-se materialmente de seus brinquedos preferidos revelou-me sua maturidade, seu crescimento em direção ao universo que a aguarda. A mudança já vinha ocorrendo como a chuva no rio, mas o despertar ocorreu ali.
A infância ficou para trás, assim como os brinquedos. A nova fase surge na sua vida trazendo-lhes novos horizontes, dúvidas, questionamentos, alegrias e decepções. E entre dores e amores, hormônios e humores, ela crescerá, aprendendo a guardar o que é bom e descartar o que lhe faz mal e aperfeiçoando a capacidade sensitiva de discernir entre um e outro.
Mas ela também aprenderá a voltar à infância sempre que sentar-se no chão para brincar com Gabi, quando fingir tomar um café de mentirinha que ela sabe preparar tão bem, quando aconchegar-se no colo dessa sua mãe sempre que quiser carinho. Ela aprenderá que a vida é generosa e não nos impede de viajar por entre suas fases, buscando alegrias, relembrando momentos, refazendo pontes. Ela aprenderá que a vida é muito mais que um contar de anos passados, na verdade a vida é uma sequência infinita de lições que nos impulsiona para frente e para o alto e que não importa a idade que se tenha, sempre haverá algo para aprender e para partilhar.
Quanta sensibilidade derramada em um tema tão envolvente como este: As Passagens da Vida.
ResponderExcluirA narradora, com a percepção à flor da pele, vai descrevendo as cenas entre a menininha - Gabriela e a menina-moça - Rafaela, vivendo fases tão distintas - infância e adolescência, tendo uma boneca como o fio condutor entre os dois mundos.
As imagens vão sendo traduzidas para o leitor com a doçura exata de cada momento, sem se perder qualquer instante de candura.
José Maria Cavalcanti
www.bollog.com.br
obrigado pela viagem, José Maria.
ExcluirVolte sempre!
Em tempo: a mensagem será transmitida a autora Mabel Amorim.
Jairo e José Maria, indubitavelmente a vida torna-se mais amena e agradável quando encontramos pessoas sensíveis como vocês. Obrigada.
ResponderExcluiros passageiros é que agradecem, Mabel.
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