Homero Fonseca (http://www.interblogs.com.br/homerofonseca/)
Fenômeno curioso esses festivais literários que se alastram pelo país.
É como se a Literatura, já há muitas décadas afastada às cotoveladas da boca do palco pela truculência da indústria cultural e por novas formas culturais mais atraentes, estivesse procurando encontrar um novo espaço.
De Porto Alegre - onde tudo começou com a mais que charmosa e cinqüentenária Feira do Livro - a Marechal Deodoro - que encerrou neste domingo a mais nova Festa Literária do País (1ª Flimar) -, passando por Passo Fundo e Mossoró, Ouro Preto e Rio Branco, sem contar, claro, as capitais metropolitanas (algumas das quais chegaram atrasadas, mas trazendo novo gás ao circuito, como Curitiba e Belo Horizonte), por todo esse Brasilzão sempre paradoxal pipocam festivais celebrando o livro e a leitura.
Só vejo aspectos positivos nessa febre. Claro que há eventos mais “cabeça” ou mais comerciais, mais reflexivos ou mais festivos. Mas a soma deles, cujo alcance se propaga pela obrigatória cobertura da mídia que, na entressafra das feiras, trata a Literatura como a prima pobre das artes (e parece que é, mesmo) resulta num movimento que dá visibilidade ao livro e ao escritor e que deve ter seus efeitos na propagação do hábito da leitura. Se antes, esse hábito nascia de dentro para fora (quando nas casas havia estantes e pais letrados), agora se propaga de fora para dentro (das feiras e de sua repercussão na mídia para os corações e mentes de uma parcela da população).
Também representam uma fonte de renda extra para os escritores, uma oportunidade para que exerçam sua sedução olho no olho do leitor e um ponto de encontro dos que compõem o universo literário. Sem falar, claro, no negócio do livro em si, que recebe extraordinário impulso nessas ocasiões, basta ver os números de livros vendidos durante as grandes feiras.
Recentemente estive em São Paulo, cuja Bienal recuperou público e prestígio em relação às ultimas edições.
Agora, me despeço de Marechal Deodoro, essa linda cidade histórica, ex-capital das Alagoas, às margens da lagoa Manguaba e pertinho de Maceió, feliz que nem mosquito em pereba pelo sucesso dessa iniciativa do escritor alagoano Carlito Lima, secretário de Cultura da cidade.
Alguns momentos dessa Flimar foram marcantes para mim: a palestra intimista e sedutora de Ignácio de Loyola Brandão sobre a arte de escrever; o encontro com Antônio Torres a aliciar o público para a crônica e a poesia; o reencontro com o poeta José Inácio Vieira de Melo (autor dessa jóia de poema, conciso e denso: “Perdido sem lua nem uivo / para mim só tem um caminho: / riscar esporas no vazio.”) e com amigos queridos como Luiz Berto e Maurício Melo junior; o conhecimento da obra instigante do contista Ovídio Poli Junior (“Sobre Homens e Bestas”); as notícias de Ricardo Oiticica, pesquisador/provocador da melhor estirpe); o papo com o escritor e blogueiro alagoano Geraldo Majella; o contato imediato com os argentinos José e Adriana Ruiz.
Caso à parte, a comovente conferência da poeta e contista Marina Colasanti, uma lição de amor pela leitura, bela e contagiante. Esbanjando vitalidade, elegância e beleza do alto dos seus 72 vívidos anos, essa ítalo-brasileira de olhos azuis e fala suave encantou durante uma hora a platéia esfomeada devido ao atraso sucessivo em mesas anteriores que empurraram sua conferência para o horário do almoço, discorrendo com espantosa fluidez sobre a importância da Literatura para a (sua) Vida, magnetizando a atenção do público.
A partir da célebre frase de Michelangelo, ao ser indagado como esculpia cavalos tão perfeitos (“É só tirar do mármore, com o cinzel, tudo que não for cavalo”), Marina se indaga do que sobraria de sua formação humana e intelectual se se retirassem os contos de fadas, os romances de cavalaria, o “Tesouro da Juventude”, os poemas homéricos, “Os Três Mosqueteiros”, “Dom Quixote”, os grandes romancistas russos e franceses, os poetas chineses, uma sucessão de obras e autores que, em muitos pontos, convergia com as nossas vivências, numa narrativa que vai perpassando todos os momentos importantes da sua existência, até nos envolver completamente e fazer com que respondamos à pergunta (o que sobraria?) de forma clara e inequívoca. Uma maravilha!
Da redação com http://linaldoguedes.blog.uol.com.br/
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