Romance nas prateleiras
Por Flávia Lopes
Não se pode julgar um livro pela capa. Mas ninguém
falou que não se pode julgar a capa de um livro. Quem nunca avançou em uma
estante por que gostou da ilustração? A
capa pisca e atrai o leitor. A escolha de um livro é um momento de sedução. Que
atire o primeiro livro aquele que não acha que a capa é a primeira impressão.
Nem sempre é a que fica, mas é um atrativo valioso para qualquer obra.
O escritor paraibano Jairo Menezes faz uma metáfora: a
escolha de um livro é como uma paquera. "Quando você não conhece a pessoa,
as características físicas é que são importantes. Só depois, você se apaixona
pelas virtudes morais. Com o livro é a mesma coisa. Primeiro você se apaixona
pela capa. Entretanto, só o que há dentro dele é que vai determinar o sucesso
do namoro livro/leitor.".
Não é difícil encontrar leitores que tenham comprado
um livro só pela capa. A fotógrada Ana Patrícia Almeida afirma que já caiu na
armadilha da sedução. "Comprei o livro 'O incrível livro de hipnotismo de
Molly Moon' por que a capa é bonita.". Hipnotizada, respondeu: "ela
brilha". O mesmo aconteceu com a estudante de administração Bárbara Galvão
que foi levada ao clássico "O retrato de Dorian Gray", de Oscar
Wilde, pela bela capa. "Comprei porque ele é edição antiga, de capa dura e
ainda com marcador de página de fita, além das páginas amareladas. Mas amei o
livro! A história é muito interessante!".
Outra leitora que não escapou das garras de uma bela
capa foi a estudante de moda Rafaela Barros. "Comprei recentemente 'O Caso
de Charles Dexter Ward', de H.P. Lovecraft. Eu já tinha ouvido falar do autor,
mas nunca tinha lido nada dele. Vi esse livro e gostei muito da capa, comprei
muito influenciada por ela. Achei super bonitinho o livro, o design dele, é um
pocket. Parecia que eu precisava ter na minha estante. Muito doido.",
conta.
Uma boa capa seduz um leitor instantaneamente.
Convida-o ao toque que o leva a sentir mais alguns detalhes. Ao abrir o livro,
as folhas exalam perfume de páginas. Mas o romance só começa na leitura. A
paquera só continua se o conteúdo for do agrado, mas é inevitável uma bela capa
escapar aos olhos. O escritor Ronaldo
Monte defende: “A capa pode e deve ser sedutora para levar o leitor para as
orelhas e à contracapa em busca de maiores informações sobre o livro e o autor.
Mas sem uma boa capa, com um título atraente, dificilmente o leitor se
aproximará do livro. (...) Se o livro for ruim, não tem capa que dê jeito.”.
Roberto Menezes, escritor paraibano, afirma: a capa
tem que ser o cartaz de um livro. E foi isso que ele fez em sua mais nova obra,
“Palavras que devoram lágrimas (ou a felicidade cangaceira)”, lançada neste mês
de dezembro. Sobre a emblemática boca ponteada em uma penumbra imprensa na
capa, ele diz: “É uma pessoa que fala pra outra. E essa outra pessoa não pode
falar, só escutar.” O livro conta a história de uma enfermeira que ponteia a
boca de seu ex-marido, um vereador. Ela o amarra, ponteia a boca e seus olhos
para ficarem abertos e digita na frente dele: “as palavras que devoram
lágrimas.”. Roberto Menezes revelou que está satisfeito com a capa, pois a
imagem representa a obra. O trabalho é do designer Raiser Júnior.
Durante algum tempo, arquivar capas de livros era um
hobby para Roberto Menezes. “Eu posso dizer que pesquiso muito sobre capas de
livros.”. Ele afirma que, apesar da Paraíba ter bons escritores, o mercado
editorial não valoriza esteticamente as obras publicadas no estado. “Tem gente
que faz livro que parece tese de doutorado. Eu acho que aqui na Paraíba os
escritores não pensam muito na capa. Mais do que isso, nem pensam muito na
qualidade dos livros. Saem muitos livros ruins aqui na Paraíba e isso se deve a
não existir um mercado editorial no estado. Cada escritor faz o seu ou o estado
paga.”.
Ilustrações
Não são só as capas que encantam leitores. As
ilustrações dentro de um livro também são atrativos cativantes. Para a artista
plástica Verushcka Guerra, as imagens falam mais que mil palavras. Com seu
trabalho, ela já ilustrou diversos livros, inclusive a obra “Menina de Noite”,
de Ronaldo Monte, lançado este ano na Bienal do livro, em São Paulo. Ela
afirma: “A linguagem visual é tão comum em tantos espaços de nossa vida, seja
em livros, seja em como queremos expressar quem somos em roupas, móveis e
nossas expressões de identidade. Um livro ilustrado é simplesmente, para mim,
parte de todas essas expressões.”.
Especializada em ilustrações de livros infantis,
Verushcka conta que gosta de pesquisar a obra antes de iniciar seu trabalho. “A
capa de um livro é sua identidade. Nela precisa estar exposta o foco principal
do texto. Por isso tenho o hábito de conversar com os autores sobre o porquê de
haver escrito aquele texto.
Leio, pesquiso muito sobre os assuntos para estar
ciente do contexto. Imprimo imagens e colo nas paredes para ficar totalmente
imersa na história. De qualquer forma o que se vê é a minha linguagem visual da
história, é a minha forma de contá-la.”. As imagens que produz são todas feitas
em papel de aquarela ou cartão e com tinta acrílica. “Às vezes eu uso colagens
de renda, sianinha e botões, como no livro "O dia que minha avó
envelheceu” (da editora Cortez), pois tinha haver com o tema”, revela a
artista.
O escritor Ronaldo Monte comprova o aprofundamento do
trabalho de Verushcka no livro “A Menina de Noite”. “Verushcka realmente
conseguiu interpretar o espírito mágico do poema. Suas ilustrações valorizaram
enormemente a leitura do poema. Não consigo mais pensar na “Menina de noite”
como um texto independente das ilustrações.”.
Veruscka defende a ideia de que as boas ilustrações
não ficam só para livros infantis. “Para mim elas acrescentam muita riqueza a
qualquer tipo de texto. Considerado adulto, infanto-juvenil ou infantil.”. O
designer João Faissal também compartilha da mesma opinião. Ele defende o uso
livre da ilustração. “Hoje em dia já se mostrou que a ilustração não é algo
somente infantil, pelo contrário, acho que a ilustração hoje em dia desperta a
criança em cada adulto. E isso é encantador. Por isso você vê uma revista como
a Piauí, toda ilustrada, com textos super complexos.”.
Imagem e imaginação
As ilustrações, porém, devem deixar espaço livre para
o leitor poder imaginar. “Às vezes, a ilustração limita a imaginação do leitor.
Quanto aos livros infantis, a ilustração deve servir para encantar, seduzir o
pequeno leitor para que ele se apegue ao livro. Mesmo assim, acho que uma boa
ilustração é aquela que dá margem à imaginação própria de cada criança”,
argumenta Ronaldo.
Em geral, a capa tem que passar a essência do livro.
Porém, às vezes, o tiro sai pela culatra. Ronaldo Monte fala por experiência
própria. “Nem todas as capas dos meus livros correspondem ao conteúdo deles. A
capa do romance “Memória do fogo”, por exemplo, é muito feia e confusa, mesmo
sendo de uma editora de porte como a Objetiva. Mandaram-me três sugestões para
escolher uma. A que escolhi foi a que considerei melhor, mas, mesmo assim, é
uma lástima.”.
Mas os feios também podem ser amados. O encanto por um
livro pode acontecer de qualquer jeito, seja pela atração física de uma bela capa ou pelo interesse em
determinado assunto. Onde quer que haja livros, acontece um romance. Enquanto a
atração for física, visual e o deslumbre do leitor for apenas pela capa, a
relação será só paixão. Mas à medida que o leitor vai conhecendo a obra, pode
tornar-se amor. E o romance deixa de ser um gênero para ser uma história entre
obra e leitor.
Matéria publicada no Jornal Contraponto.
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