Aryane Cararo, de O Estado de S. Paulo
BOGOTÁ - A literatura infantil é uma literatura de segunda classe? A pergunta por si só já soa polêmica, mas a resposta do escritor espanhol Gonzalo Moure pôs fogo nesta discussão nesta quinta-feira, 7, durante o 2.º Congresso Iberoamericano de Língua e Literatura Infantojuvenil (Cilelij), realizado pela Fundação SM na Colômbia até sábado, 9. “Há, de fato, razões para ignorá-la ou marginalizá-la. Eles têm razão para não nos enxergar, pelas nossas próprias limitações. Somos como pássaros dentro de gaiolas.” E as grades são a concepção de que um livro infantil tem de servir para educar, para formar, para prevenir. Elas fizeram com que a literatura infantojuvenil, segundo ele, não progredisse nos últimos dez anos.
Carlos Briñez/Divulgação
Para Moure, há dois tipos de escritores hoje: os que escrevem com mais vontade de ensinar e os que querem fazer literatura. Ainda assim, entre esses dois há muita intenção moralizante, quando não função pedagógica. O que está acontecendo, segundo o escritor, é que não há uma preocupação em formar “pessoinhas”, mas, sim, de formá-las à nossa maneira. E, assim, “não estamos sendo sinceros com elas”, defende Moure.
“Na vida cotidiana, poucas vezes somos capazes de nos dirigir às crianças de forma horizontal sem tentar ensinar. A literatura infantil não é infantil nunca e a juvenil poucas vezes é juvenil. São os adultos, possuidores de valores humanos e humanísticos firmes, que escrevem para eles e este “para” é o pecado original da literatura infantojuvenil.” Isso se reflete em obras literárias de cunho pedagógico, com livros destinados à prevenção e que não abordam assuntos considerados tabus, como sexo e religião.
“O editor, disfarçadamente ou conscientemente, publica livros que tenham essa qualidade. E o escritor se submete a essa exigência.” É isso o que faz com que a literatura infantojuvenil seja vista ou classificada como um subgênero literário, explica ele. Segundo Moure, o mundo é ainda muito polarizado nos livros para crianças e jovens, o bem versus o mal está sempre presente nesse tipo de escrita. “Se ela não se desprender do maniqueísmo imperante, será sempre um subgênero.”
Outro problema apontado por ele é que, nas últimas três décadas, houve e ainda há uma tendência realista predominante na literatura infantojuvenil. “Isso não tem de ser a única oferta para as crianças. Sinto que nós, escritores, estamos estancados. Não progredimos na última década.” Para ele, os textos literários ficaram todos muito iguais, na forma de abordagem e nos assuntos. “Precisamos de algum ponto de ruptura”, continua. E este ponto passa, segundo ele, pela entrada de novos autores no circuito editorial. “Quero ver vozes novas que não repetem o que já foi escrito, o que minha geração já fez. Quero encontrar algo que me surpreenda, que escandalize. E isso não tem nada a ver com sexo.”
O que seria, então, a verdadeira literatura? “A verdadeira literatura não responde a nada nem a ninguém. Ela recria o mundo sem se importar se o resultado final é correto ou incorreto.” Moure deixa claro que não há receitas ou fórmulas, apenas acredita que a literatura infantojuvenil não deva ter nenhuma obrigação, como qualquer outro gênero literário. Ela tem de ter apenas qualidade e liberdade. Ele diz, por exemplo, que não pede nada da literatura, só que ela o agrade, que o emocione. “Devemos ensinar a perguntar e não ensinar o que já sabemos. A revolução na educação e na literatura vai se dar por aí.”
* A jornalista viajou a convite de Edições SM Brasil
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