Aryane Cararo, de O Estado de S. Paulo
Aryane Cararo/Estadão
Andruetto ganhou o último 'Nobel' de Literatura Infantojuvenil
BOGOTÁ - A resistência ao funcionalismo e utilitarismo na literatura infantojuvenil e as tendências da ilustração na América Latina, e sua tentativa de fugir do estereótipo de uma estética visual colorida e exótica, foram alguns dos temas discutidos nesta quarta-feira, 6, na abertura do 2.º Congresso Iberoamericano de Língua e Literatura Infantojuvenil, que vai até o dia 9 na Colômbia. O evento, que é realizado pela Fundação SM, reúne cerca de 600 escritores, ilustradores, pesquisadores, editores e educadores e pretende debater os caminhos da língua, leitura e literatura entre as crianças.
Talvez a primeira pergunta a ser feita, neste sentido, seja o que é preciso para ter uma boa literatura infantojuvenil. “Quanto mais diversidade e profundidade tentamos, um melhor leitor teremos”, disse a escritora argentina Maria Teresa Andruetto, prêmio Hans Christian Andersen 2012, o “pequeno Nobel” da Literatura. Ela criticou duramente o utilitarismo, o tecnicismo e a funcionalidade da literatura infantojuvenil, bem como as demandas do mercado editorial que tornam a oferta de livros homogênea e restrita a certos assuntos. “A intensidade da literatura nos permite diferenciá-la de todas as outras funções utilitárias e é o que lhe dá capacidade de ficar entre nós, de resistir ao tempo.”
A diversidade não é um problema quando se trata da produção entre os ilustradores latino-americanos, muito embora paire ainda o preconceito de que aqui só se faz uma arte colorida e exótica. “A diversidade é nossa real identidade, ou seja, nos caracterizamos por ter uma identidade que não é identidade segundo o pensamento europeu”, disse o crítico literário venezuelano Fanuel H. Díaz, que estuda a ilustração dos livros infantojuvenis há 14 anos. Segundo ele, nos últimos dez anos “a imagem tem cada vez mais um inegável protagonismo” e há muita diversidade na produção, mas algumas características podem ser apontadas como tendências entre os ilustradores latinos: a estética europeizada, especialmente nos contos de fadas, e aquela baseada do mundo dos desenhos animados da televisão. “Olhamos ainda mais para fora do que para dentro. Há uma certa vergonha, até porque a estética popular é apontada como pobre. Sentimos que nossa estética não é tão valiosa frente a que se impõe no mercado.”
Díaz também aponta outras caraterísticas cada vez mais presentes, como a das figuras delicadas, com fundo incolor e imagens monocromáticas, a exemplo dos trabalhos de Alba Marina Rivera (nascida na Rússia, mas criada em Cuba) e do colombiano Alekos; o aspecto tridimensional; a tipografia como parte da ilustração; o uso do papel recortado até como técnica para criar volume; a metáfora visual, com influências do surrealismo, como alguns trabalhos do brasileiro André Neves; e uma certa convivência de discursos, como a colagem associada à fotografia. “Há também uma tendência ao mangá, ao desenho com características do grafite e às estéticas periféricas, como a indígena, a afro-descendente, a popular e a marginal.”
Entre os ilustradores latinos que têm apresentado trabalhos diferentes, ele cita os brasileiros Angela Lago, pelo bom manejo com as cores, Ciça Fittipaldi, com influência na cultura primitiva indígena e negra, e Roger Mello, um “artista da pós-modernidade”, além da chilena Paloma Valdivia (autora de É Assim, pela Edições SM), com sua mistura de influências indígena e catalã; da já citada Alba Marina Rivera; da argentina Isol (que ilustrou Pantufa de Cachorrinho, pela Autêntica) e seu experimentalismo; da venezuelana Menena Cottin (ilustradora de O Livro Negro das Cores, pela Pallas, também apontado por Díaz como um bom exemplo de livro digital) com seu abstracionismo geométrico; e do mexicano Fabricio Vanden Broeck.
A ilustração também foi alvo de mesa-redonda da qual participou o brasiliense Roger Mello, que discutia a literatura infantojuvenil e o universo emocional das crianças e jovens. O dia teve ainda palestra da antropóloga francesa Michèle Petit, que falou sobre as novas composições familiares e o individualismo crescente, bem como sobre a importância de apresentar os livros e a literatura às crianças, pois permitem explorar os segredos de seus corações. “É preciso apresentar o mundo às crianças pelos livros e ensinar a amá-lo, porque um dia serão elas que vão cuidar dele.”
* A jornalista viajou a convite das Edições SM Brasil
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