Por Tiago Germano
Vão 100 anos desde que o Eu, única obra lançada em vida pelo paraibano
Augusto dos Anjos, era publicada no Rio de Janeiro com uma tiragem de
mil exemplares, financiada pelo irmão do poeta, Odilon dos Anjos.
Com 131 páginas, o livro tinha uma capa simplória, na qual o breve
título se destacava em dimensão maiúscula e em um tom encarnado,
esmaecido nos poucos exemplares remanescentes que testemunham este
primeiro centenário.
Recebidos sem grande alarde por parte da crítica, os versos de
Augusto dos Anjos rompiam com o dogmatismo temático do Parnasianismo e,
se não eram 'ideias fora do lugar', eram 'ideias fora de seu tempo' – um
tempo que o autor, morto dois anos após publicá-los, não teve a
oportunidade de vivenciar.
“Augusto viveu e morreu por este livro”, afirma Gonzaga Rodrigues,
presidente da Academia Paraibana de Letras (APL), debruçado sobre a 45ª
edição do Eu e Outros Poemas.
Réplica da edição organizada em 1920 por Orris Soares, o volume foi
lançado pela APL, em parceria com o Senado Federal, no último domingo, às
18h, na abertura do Congresso Nacional de Literatura (Conali), na
Reitoria da UFPB, em João Pessoa.
O evento, que ocorre de hoje até quarta-feira, é a principal
homenagem ao Eu, cuja consagração tardia deu o reconhecimento póstumo a
Augusto dos Anjos e é, segundo Gonzaga Rodrigues, uma fonte inesgotável.
“O Eu é uma obra singularíssima na literatura brasileira em termos de
fortuna crítica e de número de edições publicadas”, afirma o presidente
da APL.
Hildeberto Barbosa Filho, crítico literário que organiza com a
escritora Ângela Bezerra uma coletânea que atualiza a fortuna crítica do
Eu, concorda.
Para ele, todo o arco analítico que se abriu em torno do livro foi se
estendendo com o passar dos anos e se expandiu ainda mais recentemente.
“Eu arriscaria dizer que a melhor crítica de Augusto dos Anjos está sendo feita atualmente”, declara Hildeberto Barbosa.
“A fortuna crítica organizada por Afrânio Coutinho e Sônia Brayer em
1973 está um pouco defasada diante das dissertações acadêmicas que estão
surgindo com um olhar mais armado, mais preocupado em renovar-se
teoricamente”.
Uma renovação que, de acordo com Hildeberto, pretende dar conta do caráter igualmente inovador da poesia de Augusto dos Anjos.
“O que mais me impressiona na poesia de Augusto é a ruptura com toda a
tradição do passado, ao mesmo tempo que manifesta um sentimento de
mundo com uma dimensão quase profética, associando a dor subjetiva do
eu-lírico a uma dor universal, cósmica”.
O apelo idiossincrático desta poesia não para por aí, de acordo com Hildeberto.
“Augusto é um poeta que tem muita força lírica, épica e dramática.
Muitos dos seus poemas são calcados no conflito entre razão e
sentimento. A razão representada pela ciência e o sentimento
demonstrando que a razão não é suficiente. A grande expressão de Augusto
é a expressão estética. Sua grande saída é a arte”.
O crivo do povo, porém, precedeu o crivo da crítica, na opinião de Gonzaga Rodrigues.
“O que salvou Augusto dos Anjos foi o povo, que achou bonita a poesia
dele e começou a recitar nos grêmios, nos saraus, nos bares”, lembra
Gonzaga. “A crítica veio atrás, sendo Álvaro Lins, Gilberto Freyre, José
Américo de Almeida e José Lins do Rego os primeiros a reconhecerem o
seu valor”.
A glória de 'Paraibano do Século' veio tarde: "A Paraíba só acatou Augusto dos Anjos quando o Brasil inteiro já o venerava".
Fonte: http://jornaldaparaiba.com.br/noticia/84511_os-100-anos-de-um-pronome
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