sábado, 24 de dezembro de 2011

Despoemas por Joana Belarmino


Betomenezes, esse Escultor de coisa nenhuma e o seu livro Despoemas


Para falar algo sobre essa obra de Betomenezes, posso dizer que tomei à letra o que escrevera em sua apresentação, o poeta Sérgio de Castro Pinto, quando afirmou: : "que o leitor, então, analise os textos de Betomenezes, e, quem sabe, a partir deles, engendre outros textos. A literatura, certamente, agradecerá.

É pois como leitora que venho aqui deixar minhas impressões nessa tecedura em que se entrelaçam, em que se encontram e desencontram-se, prosa e poesia, ou dito de outro modo, nesse lugar onde acontece despoetização, repoetização, numa prosa que ora corta, escalpela, para depois suavizar-se em metáforas inusitadas, originais.

Pensei pois, em minha leitura emocionada, em um menino, na sua invenção de infância, a brincar no quintal do seu avô, a espatifar poemas, desventrar suas imagens, redemoinho de cores, cheiros, num galope febril, terá sido a Vera, no meio do tufão, a rir-se obscena, daquele "anjo caído, filho pródigo de volta pros seus"?O prosador, aprendiz da fala da lua, sendo aqui o olho maior do poeta Antônio Mariano.

Mas de repente a prosa cresce em catalogações  das suas porções de inutilidade, raro enxamear de coisa nenhuma, à cata da "perdição bendita e cheia de brilho", emprestando ao pequeno poema de Abraão Costa Andrade, novos caminhos, bifurcações, uma estrada inteira para a contemplação.

Hiperatividade do olhar, que se debruça sobre a trilha engatinhante da cachoeira, um olhar que não se assombra, ao ver o baque, a exuberante queda d'água para dentro da melancolia. O banho de séculos, dos meninos, dos avôs, que a água é caspa caindo da pele da terra. E vão mirar, menino, avô e bisavô, para dentro do poema de Bruno Gaudêncio, o tênue engordar das sombras.

Mas é somente um ínfimo instante, um milésimo de segundo, para precipitarem-se, em ruidosa correria, bisavôs e meninos, em busca da nascente, sabores a disputarem um lugar, na língua afiada, o coco queimado, o doce da poesia bilaqueana, o gosto amargo da bic estourada.  Tem de que? encarcerado, sendo ele mesmo o último enigma da fonte, vibrando de poesia-prosa, à espreita. 

Tropelia de sonhos sem sono, a lutarem contra o enigma dos enigmas, indiferentes não, rebelados contra o que diz o poema de Ronaldo Monte: ": Fonte Ronaldo Monte Teus sonhos não são enigmas. Olha-os com calma: Eles são a fonte dos enigmas. Tua fonte. Não busques, portanto, o sentido dos teus sonhos. Dorme, apenas. E deixa que desfilem teu mistério no chão do sono." 

Seu acordar é pleno, maturando à luz da manhã, o sonho primaveril, o desaninhar de flores, o desassossego dos pássaros, fruto a se tecer doce dentro do seu azedo. cochichando-lhe a prosa, que "a árvore de folhas novas rasga a pele da novidade, para exibir o cheiro da sua sexualidade récem-descoberta. 

Menino, sendo a vividez do verso de Leo Barbosa, "E enquanto gira em busca de um braço que o segure, desde o último suicídio, atentando salvação ou consolo," ...pensa "que aguentaria a espera se, ao invés de ter matéria de cristal, esse sonho fosse de mais calibrosa densidade e resistência". 

E com a profusão das palavras, deseja um sonho perverso, de pouco silêncio, e eis que chega a tanajura, de novo o sabor infantil a fritar sob a acha incandescente da sua prosa. 

Uma bela obra. Folhas eternamente abertas, para enclausurar dores, beliscões e afagos, silêncios tisnados de inquietude, grandes e alegres baforadas de brisa, perdidas entre as engrenagens mordentes de palavra nenhuma. 

Beto, esse escultor de coisa nenhuma, sempre a nos assombrar, a nos encantar, a nos subjugar, leitores irremediavelmente perdidos, a crescermos, feito pedras despejadas no bojo dessa sua fonte de enigmas.







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