Por Neide Medeiros Santos –
Crítica literária FNLIJ/PB
Que é que nossas
crianças podem ler? Não vejo nada. Fábulas assim seriam um começo da literatura
que nos falta.
(Monteiro Lobato)
Tomo emprestado o epíteto “fabulista fabuloso” de um
poema de Drummond para Guimarães Rosa e aplico-o a Monteiro Lobato. Assim como
Guimarães Rosa, Monteiro Lobato foi um “fabulista fabuloso”.
Relendo livros de Lobato na semana em que se comemora
mais um Dia Nacional do Livro Infantil (18 de abril, data de nascimento de
Lobato), deparo-me com “Fábulas”, uma revisitação às fábulas de Esopo e de La
Fontaine.
Esopo foi um sábio escravo que viveu há mais de 2.500
anos na Grécia e contou inúmeras fábulas. Beverley Naidoo, autora do livro
“Fábulas de Esopo” (Prêmio Melhor Livro Trad/ Adapt/ Reconto – FNLIJ/2012) considera
que as fábulas de Esopo são mais parecidas com os contos africanos tradicionais
do que com os contos de fadas europeus. Não existe o “final feliz” dos contos
de fadas “e tudo pode terminar mal para quem não se cuida e não usa o bom
senso.”
Jean de La Fontaine nasceu em 1621, em Château-Thierry,
na França. Estudou Teologia e Direito, mas a literatura foi sempre sua grande
paixão. Foi poeta e autor de fábulas que seguiam as trilhas de Esopo. Em 1668,
publicou “Fábulas escolhidas”, uma coletânea com 124 fábulas. Escritas em
linguagem simples e acessível a todo leitor, contavam histórias de animais que
apresentavam sentimentos humanos. Todas essas histórias traziam uma lição de
moral. Os estúpidos, malvados e mesquinhos recebiam o castigo merecido, o justo
e o previdente eram premiados.
Massaud Moisés, no “Dicionário de Termos Literários” (Cultrix:
1974), conceitua a fábula como narrativa curta, não raro identificada com
apólogo e parábola, em razão da moral implícita ou explícita, que deve encerrar
e de sua estrutura dramática. Escrita em versos até o século XVIII, adotou,
depois, a prosa como veículo de expressão.
Monteiro Lobato, autor de muitos livros para crianças,
não ficou indiferente a esse gênero. Com sua verve humorística escreveu
“Fábulas”, uma recriação das fábulas de Esopo e de La Fontaine.
Em carta ao amigo Godofredo Rangel (1916), expõe o esboço
de seu projeto:
Ando com várias
ideias. Uma: vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, tudo
em prosa e mexendo com as moralidades. Coisa para crianças. (Lobato, 1972,
p.245)
É interessante ressaltar a preocupação do escritor - abrasileirar
os textos. Ele sentia a necessidade de
escrever textos para crianças brasileiras condizentes com a nossa realidade e situar
as fábulas dentro desse contexto. Um
exame em algumas fábulas lobatianas dá para perceber que o escritor procurou dar
esse toque nacional e mexeu realmente com a moral tradicional presente nos
textos de Esopo e La Fontaine.
Em 2008, a editora Globo reeditou toda obra de Lobato com
o objetivo de torná-la acessível às escolas públicas. “Fábulas” apareceu em
edição renovada com ilustrações de Alcy Linhares, conhecido ilustrador
brasileiro que se caracteriza pelo tom jocoso que imprime as suas ilustrações.
“A cigarra e as formigas”, a primeira fábula do livro de
Lobato, é uma fábula bem conhecida. Nos textos de Esopo e La Fontaine, a
cigarra é punida por não ser previdente, não se preparar para o inverno
rigoroso. Enquanto as formigas trabalhavam, ela apenas cantava e quando foi pedir
abrigo na casa da formiga teve o pedido negado e morreu de frio. Lobato recria
esta fábula com dois finais diferentes – a formiga boa se compadece da cigarra
e a acolhe, a formiga má enxota a cigarra. Como na fábula de La Fontaine, a
pobre coitada morre “estanguidinha” pelo frio do inverno.
A inventividade de Lobato vai bem além do texto
tradicional. Na história da formiga má, que se aproxima da tradicional, o
narrador, travestido de Dona Benta, lamenta a morte da cigarra com este
comentário:
... e quando voltou a primavera o
mundo apresentava um aspecto mais triste. É que faltava na música do mundo o
som estridente daquela cigarra morta por causa da avareza da formiga. Mas se a
usuária morresse, quem daria pela falta dela?
Os artistas – poetas, pintores,
músicos – são as cigarras da humanidade. (2008: p.13)
Depois que Dona
Benta contou esta fábula, não faltaram os comentários dos ouvintes – Narizinho
e Emília.
Para concluir, nada melhor do que refletir sobre o
conceito de fábula de Monteiro Lobato:
O Mundo da Fábula
não é realmente nenhum mundo de mentira, pois o que existe na imaginação de
milhões e milhões de crianças é tão real como as páginas deste livro. O que se
dá é que as crianças logo que se transformam em gente grande fingem não mais
acreditar no que acreditavam.
* texto publicado no jornal contraponto em abril de 2013
Jairo, adorei ler isto, e lhe pedria licença para postar em meu blog de divulgação :
ResponderExcluirhttp://compartilhanopoesias.blogspot.com.br. Aguardo sua cnfirmação. Sou sua seguidorae gosto demias de vir aqui, apenas comento o pecado de não comentar. Abçs!
Diná
O artigo é de autoria da professora Neide Medeiros, Diná. Uma pessoa super generosa. Ela ficará feliz com a publicação no seu blog.
Excluirabraço e obrigado pela viagem!
jairo