Ser escritor
PUBLICADO EM 16/02/2013 no Jornal da Paraíba
Volto a lembrar a frase famosa de Ferreira Gullar: “A pior coisa de ser
poeta é convencer sua mulher de que, quando você está sem camisa,
debruçado na janela, fumando um cigarro e olhando lá pra fora, você está
trabalhando”. O lado positivo é que qualquer vagabundo pode adotar essa
atitude e defender-se dizendo: “Não me atrapalhe, estou escrevendo um
poema”. Corolário: na dúvida, julga-se um poeta não pelo seu
comportamento pessoal, mas pelos textos que produz. Ponto final.
Para romancistas ou redatores de obras de maior espessura o debruçar-se
à janela não adianta muito. É possível conceber um poema apenas
pensando, mas um romance de 300 páginas eu duvido. Em todo caso, não há
muita diferença (do ponto de vista da família de um cidadão) entre um
marido-e-pai que passa o dia fumando na janela e um marido-e-pai que
passa o dia trancado num gabinete, digitando sem parar. São dois
indivíduos ausentes, e um processo por abandono do lar pende como espada
de Dâmocles sobre suas cabeças, eternamente, porque não basta a
presença física. Família que interagir, crianças querem brincar, filhos
maiores querem um dedo de prosa, a esposa quer aconchegos e afagos. E o
sujeito se obstina em trancar a porta e passar o ferrolho por dentro,
dizendo: “Não atrapalhem, estou criando uma obra-prima”. Muita
pretensão.
Conversei uma vez num lançamento com a esposa do autor,
que ao meu ver elogiar profusamente a obra do marido me agradeceu mais
profusamente ainda. Era uma senhora com pés na terra, pão pão, queijo
queijo, e me disse: “Eu não entendo nada do que ele escreve, e sou muito
sincera, só percebi que ele era importante quando vi o que vocês
jornalistas escreviam sobre os livros dele”. É aquela situação meio
melancólica da mulher surda que casa com um pianista de concerto. Por
mais que ele conquiste prêmios e viaje para tocar com a Sinfônica de
Moscou, ela vai sempre ficar roendo um grão de dúvida. “Por que será que
o valorizam tanto?...”
O escritor alcança seus maiores triunfos na
solidão um escritório. Ele finaliza, de madrugada, o melhor conto quer
escreveu nos últimos dez anos, e não tem a quem mostrar. A casa está
silenciosa. A família dorme; mesmo que seja acordada para participar
dirá “Hum-hum, maravilha, boa noite”, e virará pro outro lado. Resta ao
escritor ir à geladeira, pegar uma cerveja, debruçar-se na janela e
comemorar a façanha ouvindo estrelas. Menos mal, não é mesmo? Existem
vocações piores. A certeza do dever cumprido e da “Última Ceia” com
tinta ainda fresca deve bastar para reconfortá-lo; e se tem uma coisa no
mundo que nunca vai faltar é cerveja na geladeira e estrela no céu.
Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio rm que escrevo e em que tu me lês.
ResponderExcluir(Mario Quintana)
Quintana!
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