segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O SERTÃO DO SER TÃO



Por Wander Shirukaya

 “Tem vida, nome, história, algo que é raro de se ver hoje em dia em tempos de poesia metalinguística”, diz o escritor Astier Basílio sobre a poesia do paraibano Linaldo Guedes. De fato, um dos maiores méritos de Metáforas para um duelo no sertão (Patuá, 2012) está exatamente neste ponto. Nos últimos tempos a produção poética tem se voltado demais à metalinguagem, fato que tem se mostrado o novo lugar comum, zona bastante confortável, pois o poeta não precisa se mostrar, não discute, e pouco transcende os rodeios feitos da poesia sobre poesia. Parece que é hora de mostrar que a poesia que queremos deve ser bem mais do que um cão correndo atrás do próprio rabo. E nesse ato de “dar a cara a tapa” é que o terceiro livro do poeta de Cajazeiras acaba se sobressaindo. 

Metáforas para um duelo no sertão traz uma grande variedade de poemas que, em sua maior parte, se mostram como pequenas narrativas ou retratos da solidão. Para tanto, a imagem do sertão é o foco principal. A impressão que se tem em muitos momentos é a de liberdade, mas uma liberdade conquistada a duras penas, soando serena no que se abre a quem lê, como em “Pote de ouro”: (no fim do arco-íris/o olhar do vaqueiro/ em preto e branco).  Especialmente nos primeiros poemas da compilação, o que se vê é uma expressão do homem sertanejo e de sua lida, temas que podem ser facilmente relacionados ao autor destas obras. Se tal coisa se pouco interessa no aspecto estrutural, por outro lado engrandece a experiência trocada entre autor, obra e leitor, mostrando uma poesia mais preocupada em falar da vida do que falar de si mesma. Não que a metalinguagem não apareça, mas o que predomina é o uso desta a serviço de outros temas e expressões, tal como se vê em “Poesia com T de tédio”: quando soube que minha poesia/ tinha efeitos colaterais/ fechei meus verbos/ rasguei os versos/ e fui ler Olavo Bilac! Sim, a poesia de Linaldo mostra efeitos colaterais, mostra as vísceras e não se esconde em malabarismos tão comuns da poesia hodierna. O bom uso da metalinguagem pode ser visto também em “Da falta de inspiração”, que desloca o tema para uma ambientação erótica sutilmente cafajeste: às vezes/ a dificuldade do poema/ está/ no olhar que não surge// na blusa/ que a musa/ teima em usar.  Por sinal, esse “ar de cafajeste” permeia muito dos poemas, em especial os da segunda metade do livro. Não entendamos aqui o termo como algo pejorativo, tem mais uma conotação jocosa e sacana, consequência do tom veladamente pornográfico utilizado. Tampouco podemos ver os poemas desse grupo como machistas, pois, em sua maior parte, sabiamente nos somos apresentados a um eu-lírico neutro, podendo ser visto por diferentes olhares, independente de sexo ou gênero, como em “Cunilíngua”: coito/ minete/ (ou seria minueto)? [...] quando abre flores e rosas para minha língua.

A grandeza semântica exposta em Metáforas para um duelo no sertão também abre espaço para uma boa disposição estrutural, mas sem muitas novidades. Neste aspecto, chamam mais a atenção os poemas mais concisos, de versos livres, mas não cansativos.   A grande força dos poemas da coletânea ainda parece estar mais na sensibilidade do poeta em criar belas e complexas imagens: com a pele do olfato/ transbordando águas/ entre coxas, buracos e palato: (“Condimento”). O resultado é um trabalho bem equilibrado que mostra toda a maturidade de um bom poeta.
A quem se deparar com esta obra, fica a certeza de textos bastante aprazíveis e de ousadia e coragem. O poeta não anda em círculos, não corre atrás do próprio rabo; uiva uma beleza nostálgica e serena, é leitura que trará boas sensações ao leitor astuto que a buscar.

Wander Shirukaya é escritor paraibano, autor do Blog do Shirukaya (http://blogdoshirukaya.blogspot.com.br/) Este texto foi publicado no site Silêncio Interrompido (http://www.silenciointerrompido.com/).

O livro “Metáforas para um duelo no sertão”, de Linaldo Guedes, pode ser adquirido no site da editora Patuá (www.editorapatua.com.br)

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