Lobato escrevia porque lia e porque queria ensinar a ler. Lobato foi, nessa ordem, leitor, escritor e formador de leitores.
(Socorro Acioli. Aula de leitura com Monteiro Lobato).
por Neide Medeiros Santos (Crítica literária – FNLIJ/P)
Aula de leitura com Monteiro Lobato
(São Paulo: Biruta, 2012) é a versão revisada e editada da dissertação
de mestrado de Socorro Acioli, defendida na Universidade Federal do
Ceará – “De Emília à Dona Quixotinha: uma aula de leitura com Monteiro
Lobato”. O prefácio é da lobatóloga Marisa Lajolo que considera
importante este trabalho porque ressalta uma das vertentes mais
promissoras dos estudos literários – a inclusão da leitura entre seus
objetos.
O livro está dividido em quatro capítulos assim delimitados:
“Personagens leitores”, “Monteiro Lobato: uma vida para leitura”, “A
leitura no sitio do Pica-pau Amarelo” e “Emília, leitora de Dom Quixote:
um caso de leitura-ação”.
Monteiro Lobato foi jornalista, crítico, cronista, escritor de livros
infantis, romancista, editor e teve forte atuação no mercado editorial
brasileiro. Socorro Acioli ressalta o papel inovador de Lobato como
editor - criou estratégias eficientes de propaganda e de divulgação dos
livros, deu oportunidade a novos escritores e ilustradores, aumentou a
rede de vendas de livros no país.
Nesses comentários ao livro de Socorro Acioli, vamos apresentar,
inicialmente, um Lobato leitor, seguindo-se o escritor e, por último, o
formador de leitores.
Lobato leitor – Na infância, o escritor teve contato com a biblioteca
do avô, o Visconde de Tremembé, e foi nesse ambiente mágico que Lobato
despertou para a leitura. Em carta a Godofredo Rangel (Barca de Gleyre,
vol.1, p.51), Lobato, assim, se expressa:
“A biblioteca do meu avô era ótima, tremendamente histórica e
científica. Merecia uma redoma. [...] Cada vez que naquele tempo me
pilhava na biblioteca de meu avô, abria um daqueles volumes e me
deslumbrava.”
Sobre as práticas de leitura, o escritor guardou, entre as lembranças
da infância, os momentos em que reunia as irmãs e os filhos dos
empregados da fazenda de sua família e passava horas a fio lendo para
eles. Este episódio contado por Lobato me conduziu até João Cabral de
Melo Neto. No poema narrativo “Descoberta da literatura”, o poeta fala
sobre os folhetos de feira que lia para os trabalhadores do engenho de
sua família, local onde sempre passava as férias escolares.
Lobato relembra que leu, na infância, os livros de Júlio Verne e
“Robinson Crusoé”, este último foi um presente que recebeu de Natal e
foi “lido e relido com um deleite inenarrável”.
Lobato escritor – O primeiro artigo de Lobato foi publicado em 1896, no jornal O Guarani, organizado
pelos alunos do Colégio Paulista em Taubaté, contava 14 anos de idade. O
artigo trazia o título “Rabiscando” e era uma crítica ao livro
“Enciclopédia do riso e da galhofa”. Trazia a assinatura de Josbem, um
dos pseudônimos utilizados pelo escritor.
Em 1903, aluno do curso de Direito no Largo São Francisco, em São
Paulo, fundou o jornal “O Minarete” e publicou vários textos neste
jornal. Em 1904, vamos encontrá-lo como colunista do “Jornal de
Taubaté”, escrevendo, depois, para muitos outros jornais de São Paulo.
Em 1920, Lobato lançou seu primeiro livro infantil – A menina do narizinho arrebitado. Este
livro foi o início de uma longa série de livros para crianças. Mas
Lobato escreveu também para adultos – contos, crônicas, artigos críticos
e romances.
É na literatura infantil que encontramos o Lobato maior, o escritor
querido das crianças e ele reconhece que este era o caminho da salvação
quando diz em carta a Godofredo Rangel: “Estou condenado a ser o
Andersen dessa terra – talvez da América latina, pois contratei 26
livros infantis com um editor de Buenos Aires”. (Esta carta traz a data
de 28 de março de 1943).
Lobato formador de leitores – Socorro Acioli estabelece comparações
entre o educador Edgar Morin e Monteiro Lobato, os dois têm uma visão de
mundo semelhante. Tanto para Morin como para Lobato o importante é
“formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de seu tempo”. No
livro “O poço do Visconde”, o Visconde de Sabugosa estuda geologia para
descobrir o petróleo; “Nos Serões de Dona Benta” e em “História das
Invenções’, a investigação científica e a pesquisa são estimuladas.
Vários livros de Lobato dedicados às crianças são analisados pela
ensaísta cearense que procura demonstrar a preocupação de Lobato com a
formação do leitor.
Aliado a tudo isso, há destaque para os aspectos técnicos sobre livros,
leitura e escrita por meio de esclarecimentos feitos por Dona Benta –
explicando o que é prefácio, a diferença entre gente e personagem.
O último capítulo do livro é dedicado à Emília como leitora de Dom
Quixote e a paixão da bonequinha por esse personagem marcante da
literatura universal.
Para o crítico Antonio Candido, “a literatura infantil é talvez a mais
difícil de todos os gêneros literários (...) gênero ambíguo, em que o
escritor é obrigado a ter duas idades e pensar em dois planos”.
Monteiro Lobato conseguiu vencer essa barreira – portou-se como um
escritor de duas idades - às vezes é um adulto/professor, outras vezes é
uma criança que sonha e brinca como criança.
NOTA LITERÁRIA
AINDA LOBATO
A
obra literária de Monteiro Lobato tem sido objeto de inúmeras
discussões, isso desde o tempo da ditadura Vargas. Recentemente,
técnicos do MEC questionam: Lobato foi racista? “Caçadas de Pedrinho”
deve ser banido dos bancos escolares ou acrescido de algumas
informações? No meio dessa polêmica improdutiva, os escritores –
Socorro Acioli (cearense) e Simão Almeida ((paraibano) - publicam livros
que valorizam a leitura na obra lobatiana (Acioli) e o papel do
jornalista Lobato (Almeida) nos meios culturais brasileiros nas
primeiras décadas do século XX. Lobato continua despertando interesse.
(Texto publicado no jornal Contraponto. João Pessoa, 21 de setembro de 2012, B – 4)
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