segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Resenha publicada no jornal Contraponto de 06 a 12 de agosto de 2010

NO ÔNIBUS DO POETA JAIRO CÉZAR

ANTÔNIO MARIANO*

Há certo tempo, ainda com Sérgio de Castro Pinto na sua segunda gestão à frente do Correio das Artes, o jovem poeta Jairo Cézar começou a publicar seus versos e seguir a trajetória na busca de firmar o seu nome na lírica paraibana. Em 2007 concorreu ao Edital Novos Escritos, promovido pela Fundação Cultural de João Pessoa, sendo a coletânea Escritos no Ônibus indicada para publicação, impressa no formato 2 em 1, tendo do outro lado as narrativas Seis breves histórias sobre a vida, o tempo, o amor e a morte, de Archidy Picado Filho, editados com data pretérita de 2009. A obra de Jairo Cézar vem fechar tardiamente uma década de pouca produção na Paraíba. A coleção, que traz Jairo Cézar, antes já havia revelado três outras vozes: Lúcia Wanderley, Ikaro Maxx e Renálide Carvalho. Infelizmente, a iniciativa do órgão público só teve as versões 2006 e 2007, trazendo uma tímida contribuição neste sentido.
Na condição de membro da comissão julgadora do edital 2007, que indicou a publicação de Escritos no Ônibus, observei, no meu julgamento, que o conjunto da obra um bom projeto a partir da proposta inscrita no seu título, cujo vocábulo “ônibus” vai além do significado de transporte coletivo, resgatando a etimologia latina “para todos”. No manuseio das ferramentas de seu ofício, o autor exibia certa convivência com a palavra poética, o que resultou em nos trazer peças de razoável acabamento estético.
Como poeta, Jairo Cézar se filia à tradição lírica, sem nenhuma intenção de recorrer a experimentos da linguagem. Ao contrário, além de mostrar claramente suas afinidades eletivas, ainda se mostra provocador e reducionista com algumas linhas da contemporaneidade, como é o caso do poema “Baba Concreta”: Babar é coisa de bebê./Bebê é coisa de babá./Bebê baba./Baba bebê./Baboseira.” A peça é dedicada a Amador Ribeiro Neto, como sabemos, um grande defensor da poesia concreta que tem como criadores os irmãos Campos e Décio Pignatari.
A qualquer manuseio breve desta obra o leitor de poesia vai perceber de imediato a influência augustiana. A sombra de Augusto dos Anjos está presente em poemas como “Metamorfoses”(p.14), “Saga Nordestina”(p.16) e “A guerra”(p.17), na mesma linha, com versos como estes que valem a pena o destaque pelas imagens que traz: A noite viúva do dia/Veste vestes virginais,/Chora o angustiante choro das harpas,/Choram os anjos de metais”.
Ou ainda este “Morte”(p.19), que vale trazê-lo na íntegra:
“A doce melodia da morte
Já me abraça de forma suave,
Usando sua língua de fogo
A boca dos mortos invade.
A morte de íris grená
Embriaga e faz inverter,
Converte o sóbrio em ébrio
E o ser na ausência do ser.
É mãe adotiva da vida,
E transforma em bruxa, a diva,
E em breu, a luz do que vê”.
E são várias as peças que contém essa reverência tanto temática e vocabular como formal. Mas há também exercícios como este “Espera”(p.20) oitava em redondilhas maiores, próxima da poética popular e de João Cabral temática e formalmente:
“Lá vêm as virgens de tudo,
Carregando seus cabaços.
Lá vêm as viúvas de luto,
E os caixões e seus amados.
Lá vêm as nuvens Marias,
E os trovões todos Josés,
E as águas das chuvas de Cristo,
E as plantas dos pés de Moisés”.
Encontramos o culto às formas fixas como o soneto “A bíblia”(24) e poemas com referência à literatura clássica – “Mar de Prometeu”(p.25)- ao mesmo tempo sem deixar a linha referencial augustiana.
Vale referir também poemas como “Pseudo poeta ecumênico” (p.28) em que mantém a voz solene da tradição poética, ao mesmo tempo em que carrega na proposta transgressora: ” Metrificaria o imetrificado./Toda bruxaria, transgressão e o pecado./Por fim, cuspiria no amor, na beleza, no leitor/E no sagrado.
Há ainda o diálogo com Gregório de Matos em “Toada da união”(p.30), ótimo texto, quando o poeta opõe os contraditórios de todo (amor) e parte (ódio).
O poeta mostra-se plural quando evoca também outras vozes como é o caso de “Confissões”(p.37), em que o eu-lírico feminino exercita um moderno cantar de amigo.
O poeta Jairo Cézar, apresenta-se, por fim, nesta obra, como um criador em construção de quem se pode esperar boas surpresas futuras na arte que escolheu abraçar. Cabe a ele, sem temer caminhos desconhecidos, arriscar-se em percursos maiores, não traindo e expectativa aberta com Escritos no Ônibus.


*Poeta e ficcionista paraibano. Publicou, entre outras obras, Guarda-chuvas esquecidos e Imensa asa sobre o dia.

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