A notícia recente do fechamento do suplemento Sabático do Estadão acendeu a indignação de escritores, críticos e leitores que ali encontravam um produto cada vez mais raro na imprensa impressa: resenhas críticas que ultrapassem as limitações da simples notícia e, muitas vezes, análises mais detidas de fenômenos culturais importantes.
O fechamento do suplemento, e a diminuição em geral do espaço destinado aos livros nos jornais diários não é, certamente, um fenômeno novo. Os chamados “rodapés”, as colunas na parte de baixo das páginas, ocupadas por críticos de imenso prestígio social e cultural (nomes como Tristão de Ataíde, Álvaro Lins, Agripino Grieco, entre outros tantos), que praticamente determinavam a aceitação ou o esquecimento de autores, foram as primeiras baixas. O domínio exclusivo de um grande nome pontificando em cada jornal foi exitosamente substituído em alguns dos grandes jornais pelos suplementos de literatura, onde havia uma pluralidade de colaboradores (embora geralmente a partir de diretrizes comuns). O “Suplemento Literário” do Estadão (1956-1967) e o “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil (1956-1961) são as lembranças mais recorrentes. Os dois foram substituídos pelo “Caderno Ideias”, no JB, e pelo “Cultura” e pelo “Sabático”, que agora se extingue, no Estadão.
Mas o que importa aqui não é a história dessas publicações, e sim uma rápida reflexão sobre os que as fizeram desaparecer ou mudar, e que perspectiva se vê pela frente.
As explicações mais recorrentes sobre o passamento dos suplementos literários/culturais fazem referencia à opção dos jornais por formatos que privilegiam a quantidade da informação em detrimento de sua qualidade.
É uma conversa que vem desde o fortalecimento do rádio como meio de transmissão de notícias, passando pela televisão e culminando, nos últimos anos, com o desenvolvimento da Internet. Subjacente a ela, entretanto, há outro fator mais importante: todas essas publicações eram cronicamente deficitárias, considerando as receitas publicitárias dos jornais.
A ausência de anúncios nesses cadernos sempre foi apresentada pelos departamentos comerciais às respectivas editorias como uma ameaça permanente. Os custos de produção, impressão e distribuição desses suplementos jamais foi coberto pela receita publicitária que geravam.
Acompanhei esse lenga-lenga várias vezes. Os departamentos comerciais mostravam, principalmente, como os segmentos empresariais supostamente mais interessados na sua manutenção não publicavam anúncios. As editoras, de fato, raramente publicam anúncio. E, quando o fazem, sempre são minúsculos e ocupam, no conjunto, pouco espaço em cm/colunas. Os editores, os leitores e a “intelligentsia” retrucavam sempre que o prestígio dos cadernos compensava essa falta de anúncios.
Os departamentos comerciais sempre ganhavam as paradas, e os suplementos fecharam. Até que outro diretor se iluminava e resolvia ressuscitar os cadernos, geralmente sob uma forma mais ampla (tratando de mais assuntos culturais), até que, mais uma vez...
Bem, tentemos pensar um pouco sobre os dois assuntos.
Primeiro, a concorrência com a Internet, que é o pretexto de hoje, como já foram o rádio e a televisão.
Jornal que tentar concorrer com a Internet, com a rapidez e o caráter sintético das notícias que são veiculadas por ali, já perdeu a parada antes de começar a corrida. Por aí não vai, e os próprios jornais já montaram seus sites com as “últimas notícias” na capa. Mesmo assim estão perdendo a concorrência com os portais, que oferecem outros serviços aos internautas e links para uma diversidade maior de assuntos. Quem ainda se sustenta nessa história é a Folha de S. Paulo, não por conta do jornal, mas por causa do seu portal UOL, que tem essas características de amplitude.
Também não adianta rechear o jornal com colunistas (ou palpiteiros). A Internet pulula com esses personagens (como eu), que são lidos ou por um segmento especializado de leitores, ou por afinidades políticas ou sociais. E, como os jornalões em grande medida publicam os mesmos colunistas (coincidência ou afinidades eletivas?), os palpites estão espalhados pela rede.
Aparentemente a solução que funciona é a que mantem a qualidade editorial e a amplitude da cobertura no jornal impresso, e consegue transferir isso também para a Internet. A rede está cheia de experiências do tipo, mas me parece que o modelo do New York Times é o que está se consolidando. O NYT consegue manter um alto nível de qualidade editorial, com reportagens aprofundadas sobre os temas, que vão além do noticiário cotidiano. Só para citar alguns exemplos recentes, o diário detonou as condições de fabricação de produtos da Apple na China, tem feito reportagens abrangentes sobre o uso de drones nas guerras dos EUA. E mantem o New York Times Book Review, o suplemento literário dos domingos. Às sextas feiras os assinantes cadastrados (grátis) recebem um e-mail com o conteúdo integral do suplemento. E podem ler, também gratuitamente, vinte matérias completas por mês. Se passar disso, tem que pagar.
Essa e outras experiências de divulgação do conteúdo do jornal impresso pela Internet estão em processo. Ninguém sabe, exatamente, qual será o modelo que irá realmente vingar. Mas, pelo que acompanho, não é o modelo de reduzir a qualidade do conteúdo e desprezar segmentos como o de livros e leitura.
Outro caso é o dos anúncios para os suplementos. As tentativas de fazer as editoras anunciarem nos cadernos culturais esbarram na mesma lógica econômica dos departamentos comerciais. É muito caro, proporcionalmente, anunciar livros nos jornais. Mesmo com as tabelas promocionais. Calculem só quantos exemplares um livro que custe R$ 50,00 tem que vender para pelo menos pagar o custo de um anúncio, depois dos descontos para todos os segmentos da cadeia. Não sei como andam as tabelas, mas certamente é irreal pensar que um anúncio (sempre pequeno) venda livros em quantidade suficiente para isso.
O caminho, evidentemente, não pode ser insistir nisso.
Marcelino Freire, sempre mordaz, publicou uma crônica em seu blog Os Ossos do Ofídio no qual põe o dedo na ferida. Anúncio em suplemento cultural só vai funcionar se, em vez de tentar buscar anúncios de livros, anunciar outras coisas que eventualmente tenham como público alvo os que também são leitores de livros. Não tenho o talento e a verve do Marcelino para advogar que garotas e garotos de programa ganhem bonificações se anunciarem nas páginas de cultura, mas certamente outros anúncios estariam bem melhor colocados ali que nas páginas gerais ou mesmo na dos respectivos segmentos (como telefonia e informática, por exemplo).
Tenho certeza de que o resultado final dessa dizimação dos cadernos culturais por parte dos jornalões pode até trazer o aumento imediato de sua rentabilidade, medida na relação entre faturamento e custos. Mas isso contribui para o aumento de sua irrelevância e, no final das contas, para que percam a grande corrida pela sobrevivência.
Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blogwww.oxisdoproblema.com.br
A coluna O X da questão traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, este espaço analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.
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